quinta-feira, 22 de setembro de 2011

A bênção do dia 16

Engraçado eu não ter postado nada no dia 16... Parece até que sabia que havia algo mais pra contar.
Seis meses sem meu pai... Ao abrir os olhos, meu primeiro pensamento foi: “o que será que Deus quer falar comigo hoje através dos meus amigos”? Isso porque eles sempre me surpreendem com seu cuidado e seu carinho. As mensagens começaram a chegar logo pela manhã e, ao final da tarde, a boa notícia. A Lidi fez consigo mesma um compromisso de me dar uma boa notícia todo dia 16. Não sei até quando vai durar, mas confesso que isso tem servido como estímulo pra mim. Fico como uma criança esperando um prêmio pelo bom comportamento. E a notícia que chegou não foi boa, foi ótima, foi resposta às minhas orações, foi a prova da fidelidade de Deus. “Murizinha, o ‘ti’ Zé tá vindo na quinta-feira, um dia antes da banca”! Se eu não conhecesse de perto o Deus a quem sirvo, não acreditaria no que ouvi. Me lembrei da música que o Pedro cantou pra mim ao telefone dias antes... “As ondas tentam me desesperar, me desacreditar. Os ventos dizem que tudo isso é bobagem, e o que vale é a realidade. Mas em Suas mãos eu posso ter força pra seguir e não olhar pra trás. Só quero ouvir Sua doce voz a me dizer: ‘vem sem medo, vem’. Eu quero andar sobre as águas, sem medo de me afogar. Mesmo que os ventos me façam temer, olhando em Seus olhos e segurando em Suas mãos, eu sei que está tudo bem”. E estava tudo bem mesmo. O senhor José Gouveia garantiu que viria. Se você não faz idéia do que se trata, permita-me explicar...
Eu e meu grupo estamos fazendo o TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) que, no nosso caso, chama-se PREX (Projeto Experimental). Estamos produzindo um vídeo-documentário sobre o Hospital do Câncer de Rio Verde, com o intuito de apresentá-lo para a sociedade e contribuir para que ele funcione plenamente o quanto antes. O senhor José Gouveia foi quem fundou o hospital, após ter perdido a filha, Angélica, em um acidente. Resumidamente, ele é essencial para o nosso filme e estávamos expostos ao risco de não tê-lo como personagem e de nem ao menos chegar à banca com nosso material. Enfim, Papai do céu não dorme e sabe perfeitamente o que faz. Ele não perdeu o controle da nossa história em nenhum instante sequer. Já O contratei pra ser o diretor do filme e isso é o bastante para que eu possa descansar e esperar o melhor.
Boa notícia à parte, fui pra faculdade, como em qualquer outro dia. Chegando lá, recebi um zilhão de abraços intensos até conseguir chegar na sala de aula. O dia 16 mexe não só comigo, mas com todos os meus amigos também. Aula de Economia e, na pior das hipóteses, eu estava bem. A temida hora do dia, 20:30, passou sem maiores danos. De repente, uma notícia que me preocupou. Um acidente com um ônibus escolar da zona rural. Meu Deus! A Duda e o João Vítor! Uma colega de classe me acalmou ao garantir que a tragédia havia acontecido às três da tarde. Nesse horário, era impossível que os meus pequenos estivessem na estrada. Uma garotinha de seis anos perdeu a vida no acidente, assim como o motorista do ônibus. Para os desavisados, o veículo passou por um fio de alta tensão, caído pela estrada, o que vitimou duas pessoas. O ônibus foi totalmente carbonizado.  A professora que “coincidentemente” acompanhava a turma tirou os alunos pela janela, enquanto que a garotinha que foi eletrocutada tentou sair pela porta. O motorista tentou ajudá-la e também foi atingido pela descarga elétrica. Uma grande tragédia, minutos de terror assistido por aproximadamente 20 crianças.
Chegando em casa, a constatação do meu medo. Minha mãe estava ao telefone e, ao me ver, disse: “acho que ela já soube, na faculdade”. “Mãe, a Duda e o João Vítor”? Ela acenou com a cabeça dizendo que sim. Senti medo, desespero e gratidão ao mesmo tempo. “Eles estão bem”, minha mãe afirmou. Tive receio, porque haviam me garantido anteriormente que o acidente acontecera às três da tarde quando na verdade ele aconteceu ao meio dia. Precisava vê-los pra ter certeza.
Nunca o devocional do culto familiar foi tão certeiro quanto nesse dia, a começar pelo título, “Desespero”.  A leitura bíblica veio a calhar: “Que direi? Como prometeu, assim me fez; passarei tranquilamente por todos os meus anos, depois desta amargura da minha alma” (Isaías 38.15)... “O Pai fará notória aos filhos a Sua fidelidade” (Isaías 38. 19b). O texto para reflexão não poderia ter sido mais perfeito... Falava da perda de pessoas amadas e de como o Espírito Santo nos consola nessas ocasiões. “Tudo é muito difícil quando a crise chega, invade e derruba. Só erguemos lamentos, e Deus, mais do que ninguém, compreende. Feito homem, soube o que foi padecer e sentir dores. Nessa hora, se existe algo a fazer, é lembrar que quanto mais profunda a ferida, maior é a mão curadora de Deus. Maior a mão que enxuga as lágrimas. Maior o colo onde nos resta o descanso. O sentimento desse instante é falho. Vai passar. O amor de Deus e Sua paz excedem todo o entendimento e agirão daqui a pouco”. Olhei em volta, vi minha mãe e minha irmã, a família que tenho agora. Deus, como homem da casa, estava lá também. Foi um momento marcante e acalentador.
No outro dia, tinha tantos afazeres que nem poderia me dar o prazer de ver a Duda e o João Vítor. O PREX esgota toda minha energia, meu humor e afins. Precisava estudar, já que era aquele o último fim de semana antes da temida penúltima banca. Mas, como eu sei que para tudo existe um propósito e um tempo, tivemos uma “folga” e eu aproveitei para, imediatamente, visitar meus pequenos.
Não sabia exatamente o que fazer quando ao chegar na casa deles. Não sabia se deveria dizer algo e nem se eu tinha condições emocionais e equilíbrio psicológico suficientes pra lidar com o momento. Ao fazer a curva que dava para a casa rodeada por árvores, avistei os dois de pé nos esperando, como sempre faziam. O sorriso parecia o mesmo de antes, assim como o abraço, apertado e sincero. E que abraço! A Duda me apertou tanto, que eu pude provar do meu próprio veneno, já que meus amigos reclamam constantemente a respeito do meu amor felístico. Antes que eu pudesse dizer algo, ela começou a tagarelar: “Neguinha, eu tomei choque, mas não chorei. Eu não fiquei com medo, é verdade. A tia Telma me tirou de dentro do ônibus. Eu tava presa no cinto, e não saía, não saía, não saía. Meu irmão me ajudou. Olha meu machucado”. Falar o quê? Tive que conter as lágrimas ao abraçá-la novamente. Ela tinha histórico emocional suficiente para resultar em um trauma, portanto, não precisava (nem podia) presenciar meu desabafo.
Ela disse que não quer mais ir pra escola de ônibus e que por isso vai se mudar pra casa da “mãe Verinha” (vó dela e minha tia, Vera). Continuou falante e enérgica, contando detalhes do acidente. Ao contrário do João Vítor, que se limitou a dizer que estava bem e que o “tio Izoel (motorista) estava muito alegre naquele dia”. Era aniversário dele (João) e, a pedido da mãe, levou o celular que ganhara de presente pra escola, sob a justificativa de que toda a família gostaria de parabenizá-lo. Nesse detalhe vejo um propósito de Deus. Assim que conseguiu sair do ônibus, enquanto a professora Telma retirava os demais alunos pela janela, ele ligou pros pais e pediu socorro, dizendo apenas que o ônibus havia se envolvido em um acidente e que “o tio Izoel” estava machucado.  A partir de então, a equipe médica e o corpo de bombeiros foram acionados e prestaram socorro às vítimas.
Os meninos tiveram dificuldades pra dormir na noite anterior. A Duda não conseguia esquecer a imagem da coleguinha sendo eletrocutada. Ela afirmou ter visto “o bracinho da Lorrane pipocando e o pescocinho estralando”, como se fosse muito adulta pra se referir a uma criança dessa maneira. “Eu vi também a perna do tio Izoel pegando fogo”, ela insistia no assunto. Por mais que eu quisesse dar a ela toda a atenção necessária e ouvir suas incontáveis histórias, àquela altura não tinha mais condições emocionais para tanto. Aproveitei o convite do João pra jogar bola e tentei distrair os dois.
“Eu sou o Neymar”, ele gritou, e logo após me corrigiu dizendo que eu não poderia ser o Robinho (como gostaria), e sim, a Marta. Concordei e a partida começou. Eu e a Duda contra ele. Devo dizer que os dois são bem melhores que eu. Dez minutos depois, eu já não me agüentava sobre os pés. A botina tava apertando meus dedos e o fôlego não colaborou nada, nada, pra que houvesse o segundo tempo.
Apesar de ser péssima no futebol, tive grandes lições naquele dia. Duas crianças, tão pequenas e marcadas por uma tragédia. Os dois, a despeito das lembranças daquele fatídico acidente, vão seguir suas vidas normalmente. Vão sorrir, jogar bola, fazer pose pras fotos e correr atrás da Neguinha (não eu, mas a cachorrinha deles).
Por vezes me perguntei pra Deus por que Ele escolheu o dia 16 de setembro pra permitir que aquela tragédia acontecesse. Talvez pra dar um presente lindo de aniversário pro João e pra todos que o amam (a vida dele e da Duda de volta). Ou pra me mostrar que coisas boas podem acontecer nesse dia. “Aprendi que tudo belo Tu fazes em Teu tempo”.
Seja bem-vindo, dia 16. Se veio pra ser bênção, pode chegar.



Duda e João Vítor