sexta-feira, 17 de junho de 2011

Vestígios do dia 16

“O dia amanhece e logo é a chegada do sol. Eu, tola, nem percebo a mudança que está pra acontecer”...
Quem sabe essa música possa ser aplicada com exatidão ao dia 16 de março de 2011. Se necessário fosse, eu seria capaz de detalhar precisamente todos os meus passos no dia em questão, mas prefiro não me lembrar dele. Só hoje eu não quero me lembrar.
Há dois dias sobre os quais nada podemos fazer: ontem e amanhã. Portanto, me limito nesse momento a falar do presente que, não por acaso, tem o nome de dádiva. Dia 16 de junho...
Acordei exatamente à meia-noite, com uma mensagem da Carla... “O Senhor teu Deus te protege e te guarda. O guarda de Israel está sobre a sua casa, para que o adversário não haja contra sua vida e na dos seus. Deus está aí”. Não sei se a emissora do texto transcrito se atentou ao detalhe de que justamente hoje a ausência do meu pai completa três meses, mas o fato é que as palavras enviadas serviram-me como resposta para uma oração desesperada e angustiante... “Meu Deus, guarda minha família”. Ela não faz idéia do efeito de cada vírgula digitada, não sabe como me abençoou em um dia que, inconscientemente, tornou-se maldito pra mim.
Durante a noite, um sonho que me pareceu tão real... Doce ilusão.
Eu estava na nossa antiga casa e, enquanto lavava a garagem, toda suja de barro, ouvia a voz do meu pai lá fora, provavelmente contando uma de suas histórias mirabolantes a um amigo. Ele ria alto, como de costume, e de vez em quando olhava para o que eu estava fazendo, como se quisesse fiscalizar meu trabalho. No sonho, eu tinha a mesma percepção da realidade, porque, enquanto me dedicava ao chão sujo, esperava que surgisse um elogio dele... “Gente, mas essa menina é ‘trabalhadeira’, viu. Aí, Lorraininha, por que você não é igual sua irmã? Só quer saber de gastar o dinheiro do “veím”, né, minha filha?” Não deu tempo de ouvir o comentário que elevaria meu ego, nem de ver o sorriso iluminador dele mais uma vez. O sonho se dissipou e recomeçou o pesadelo.
Acordei, me certificando de que tudo não passara de fantasia. “Meu Deus, como pode? Era tão real”... Real? Que nada. A realidade agora é outra. Fui para o trabalho como quem vai para o matadouro. Após apresentar o Patrulha, comecei a fazer a programação do Morada Gospel e, durante o processo, não resisti e tive que ouvir uma das músicas que mais me causam dor... “Como viver a vida, se não tenho motivo melhor? Como ver sentido na noite, se não há esperança no amanhecer? Viver só faz sentido se você está sempre comigo... E não há nada, nada, nada melhor que sua presença”... Outra mensagem nesse exato momento, desta vez de um número não identificado: “Oiê... Vim dizer uma coisa muito importante. Jesus te ama muito! Ele diz: ‘Não temas, estou contigo. Não te espantes, sou o teu Deus’. Tenha um ótimo dia!” Muito obrigada, pessoa sem nome. Nem me preocupei em conter as lágrimas, porque já não me esforço para impressionar as pessoas com a minha suposta força. Saí da rádio com o coração na mão, desejando nunca ter estado ali, nunca ter saído de casa, ou do ventre materno, de nada...
Dia tumultuado, com muitos compromissos. Na pior das hipóteses, me mantive ocupada durante grande parte do tempo e isso me poupou do ócio que me faz sofrer ainda mais. No final da tarde, uma ótima notícia... Nota 9,4 no PREX! Pra quem esperava um 4,5 (não querendo ser pessimista), foi uma ótima pontuação.
Último dia da Jornada Científica... Muito interessante, a não ser pelo detalhe de ter perdido a palestra do Silmar Coelho. Consegui me divertir um pouco, principalmente com o título de Garota Delícia (não é nada disso que estão pensando... Tem a ver com a Revista Delícia, especializada em culinária). Mas aí chega o momento de voltar pra casa e, inevitavelmente, a cena se repete... Dia 16, 10: 15 da noite, garagem, João Neto, meu quarto, perguntas, lágrimas...
Cada vez que penso no que aconteceu, preciso convencer a mim mesma de que trata-se da realidade. Literalmente, eu não consigo acreditar. Vai além de aceitação ou entendimento dos porquês... O fato é que não parece ser verdade. “O improvável insiste em acontecer”...
Nem quero imaginar como está a minha mãe hoje. Falei com ela por três vezes e não tive coragem de tocar no assunto. Minha irmã, a Lucielle, a Évellyn, a Vânia, Luís, Alessandra, Lucimar, seu João... Como estarão os que tão de perto conheceram meu pai e tão verdadeiramente o amam? Todos dilacerados, assim como eu. Claro.
“Ela acreditava em anjos e, porque acreditava, eles existiam”. Quero crer em um amanhã melhor, sem vestígios do dia 16.
“Descubro eu a hora triste de partir, mas espero a hora feliz da chegada. Quando falo com alguém, falo em nós. E quando penso só em nós, descubro uma grande saudade”.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

A mudança

Eu nunca tive medo de mudanças.
Sendo muito honesta, na verdade há algumas exceções, como aquela em que me mudei pra Goiânia sozinha, com apenas 16 anos de idade. Não fazia idéia do que poderia encontrar ao chegar lá, além do fato de morar com pessoas até então desconhecidas. Isso sem falar na mudança para o Mato Grosso aos 11 anos, que é uma longa história... Houve casos em que a mudança na vida de outras pessoas me causou preocupações, como casamentos de amigos meus. Também já temi não ser bem aceita em escolas e trabalhos novos e tive receio em mudar o corte do meu cabelo.
Isso tudo se reduz a nada em comparação com a mudança que estou vivenciando agora. Mudança drástica, indesejada.
Desde que meu pai partiu, cogitei a possibilidade de abandonar tudo que construí aqui em Rio Verde – meus cinco empregos, faculdade, amigos – e voltar para Acreúna, com o intuito de ficar perto da minha mãe e da minha irmã. Seria um grande risco aventurar minha recente carreira na área da comunicação e meu curso quase concluído. Risco esse que eu estava disposta a correr, sem me preocupar com as conseqüências.
De repente caiu sobre mim o peso da responsabilidade. Entendi que não tinha o direito de agir por impulso, irracionalmente... Não agora. Eu precisava manter o equilíbrio, fingir ser adulta e encarar os fatos, porque eles não deixariam de existir simplesmente por serem ignorados.
Mais do que nunca, eu precisava de estabilidade no trabalho. Deixar tudo e ir para Acreúna, que não oferece campo para minha área de atuação, não seria uma decisão sensata. Uma idéia! Minha mãe poderia se mudar pra cá! Genial! Teria sido, se ela não tivesse se recusado, alegando detestar a cidade e não estar disposta a se adaptar a um novo ambiente, o que era totalmente compreensível.
A resposta aumentou ainda mais a minha tristeza, já que eu precisaria ficar longe das duas. Muito confusa, lembro-me bem do conselho dado pelo meu tio Luciano... “O que você acha que sua mãe vai fazer em Rio Verde? Você tem sua rotina de trabalho e estudo e vai ter que deixá-la sozinha. Aqui ela tem nossa família, tem amigos, os irmãos da igreja... Não complique as coisas, minha filha”. Ele estava coberto de razão.
Comecei a orar em prol disso... Precisava tomar uma decisão. Agir emocionalmente, me mudando pra Acreúna, ou ser adulta e ficar longe da minha mãe e da minha irmã, garantindo a elas a segurança financeira da qual precisavam. “Meu Deus, faça Sua vontade, não a minha, nem a da minha mãe”.
Lembro-me exatamente da cena... Estava chegando da faculdade, como no dia em que soube da tragédia. Minha mãe me ligou chorando, o que complicou ainda mais minha crise. “Filha, eu não suporto mais ficar aqui. Preciso me mudar pra Rio Verde urgentemente”. Não sei se posso usar o termo “feliz”, mas “aliviada” viria a calhar.
Desde então, o doloroso processo de mudança começou. Minha mãe decidiu, contra a minha vontade, se desfazer das roupas do meu pai, doando-as. Pode parecer besteira, mas peço a Deus para que não veja outro homem vestido com o que era dele. Ela decidiu também vender praticamente todos os móveis da casa. Muitos questionaram tal decisão, mas eu a compreendo perfeitamente.
Aqueles móveis, além de serem tão familiares e remeterem à imagem do meu pai, representavam para minha mãe lembranças maravilhosas. Lembranças sobre as quais ela não queria pensar no momento. Todos os móveis em questão haviam sido adquiridos em 2006, quando voltamos do Mato Grosso. A ocasião foi uma das mais felizes da vida da minha mãe, porque finalmente ela voltara à sua cidade natal, para junto de toda a nossa família. Por isso essas lembranças tornaram-se dolorosas... Tanta felicidade agora se desfazendo em lágrimas.
O fato é que minha mãe colocou tudo à venda e, a cada negócio que fechava, meu coração se apertava mais quando ela me ligava pra dar a notícia. “Minha filha, vendi o sofá”. Frases desse tipo sempre eram sucedidas por uma longa pausa. “Que bom, mãe. Que bom”. Na verdade, era péssimo. Eu desligava o telefone e chorava... O sofá onde meu pai se sentava, sempre na pontinha (com a bermuda alcançando o peito e a cicatriz na barriga à mostra), para assistir aos vídeos idiotas do Domingo Legal... Aliás, vídeos esses que pra ele eram muito engraçados. Sempre nos chamava pra ver e minha irmã, claro, cortava o barato: “Anêim, pai. Já vi isso na internet”. Sem querer parecer a boazinha, eu sempre ria com ele, mesmo que o vídeo não tivesse graça alguma. Aquele momento pra mim era mágico. Eu e ele na sala, que não mais existe, não do jeito que era... O sofá agora pertence à outra família. A TV seguiu um caminho diferente... É como se nossa história fosse se desfazendo a cada móvel vendido.
Na última vez que estive na nossa casa em Acreúna, prometi pra mim mesma que nunca mais voltaria lá... Estava tudo fora do lugar por causa da mudança e eu me lembrei do dia do acidente, quando cheguei e me deparei com tanta gente superlotando a casa, móveis arrastados, uma grande confusão. Aquela cena não se pareceu em nada com as que eu estava habituada a ver. Pessoas tristes ocupavam o largo banco de madeira, que serviu-nos durante tanto tempo como o cantinho das piadas e conversas gostosas, descontraídas.
Acontece que a imagem da casa formada em minha memória se confunde muito com a imagem do meu pai. Tudo ali é tão parecido com ele. A sala, a cozinha (inclusive a geladeira, onde ele guardava a salsicha que dividia com os gatos e com a Nick, os únicos que apreciavam o mesmo sabor que ele), a churrasqueira, a relíquia... Até a sorveteria (que minha mãe vendeu o quanto antes), na esquina onde passávamos as tardes nos finais de semana... Aliás, toda a cidade se parece muito com ele, por isso é uma tortura ficar lá, principalmente à noite.
Mas o fato é que agora, depois que minha mãe tirou todas as nossas coisas da casa, me bateu um medo inenarrável... Era o nosso lar, nosso refúgio... Agora não passa de um imóvel com placa de “Aluga-se”. Não que precisemos da casa pra nos lembrar dele, mas... Eu não sei explicar.
Ontem as poucas coisas com as quais minha mãe decidiu ficar chegaram aqui em casa, já que vamos nos mudar para uma em frente a que eu moro hoje. A primeira imagem que vi quando o moço abriu o caminhão me fez lembrar de muitas coisas. Trata-se de uma caixa, feita de jornal com colagem de fotos, presente do Anderson quando fazíamos o terceiro colegial. Me lembrei daquela época tão feliz, em que meu futuro era incerto, mas eu tinha minha família completa e apostando que eu seguiria um caminho brilhante.
Cada objeto que pegava ativava minha memória para um episódio vivido pelo meu pai... Devo dizer que foi uma grande tortura ajudar com a mudança. Me lembrei do quanto ele detestava se mudar e como ficava irritado com a bagunça causada pelo ato.
Ainda ontem estive na casa onde vamos morar... A sensação seria ótima, a não ser pelo fato de que agora seremos apenas três. Mas não deixamos de ser uma família, claro, e nosso lar continuará sendo um pedaço do Céu na Terra.
“Eu e minha casa serviremos ao Senhor... O meu lar está alicerçado no amor. Do melhor que vem de Deus é que os meus vão se fartar... Não vai faltar abraço, sorriso e oração... A minha descendência vai exalar comunhão”.
A propósito, preciso ainda convencer minha irmã a vir pra cá o quanto antes, já que ela pretende esperar até o final do ano porque teme a mudança... Quem pode culpá-la por isso? Sim, eu também tenho medo de mudanças.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

As quatro perguntas

Nunca tinha visto um laudo antes.
Na verdade, nem era minha intenção ver um. Muito menos o que eu vi, especificamente ontem, dia 07 de junho.
Minha mãe esteve aqui em casa no final de semana e esqueceu uma pasta com alguns documentos...
É engraçado como as coisas acontecem... É incrível a maneira como somos forçados a adquirir experiências.
Como se não bastasse esquecer os papéis, minha mãe perdeu o cartão bancário da minha irmã e deduziu que ele estivesse dentro da pasta em questão. Ao procurá-lo, a surpresa...
"Laudo de exame médico cadavérico"...
Eu não soube como reagir. Aliás, isso tem acontecido muito nos últimos tempos.
Pensei em ignorar o documento porque talvez isso faria com que eu me sentisse melhor... Então me lembrei do dia do acidente. "E se eu tivesse ido lá"? Já dizia Julieta em sua carta... "E" e "SE" são palavras que por si não apresentam nenhuma ameaça, mas se colocadas juntas, lado a lado, elas têm o poder de nos assombrar a vida toda...
Então decidi que precisava ver o laudo por completo, independente dos danos que me causaria.
Agora, já não sei se tomei a decisão correta, porque a dor... Ai, a dor.
Pelas ilustrações, meu pai se machucou bastante. Fraturou e perfurou "órgãos nobres", sofreu escoriações no tórax e no abdômen, teve uma fratura exposta na perna esquerda, fratura cervical e do crâncio com presença de sangramento pelos canais auditivos.
Quanta violência, meu Deus...
A todo tempo, eu lia aquelas dolorosas palavras contidas no laudo e não conseguia acreditar que estavam se referindo ao meu pai. "Pele fria e com midríase (dilatação da pupila) bilateral". Parecia mentira. A risada dele ainda está tão perfeitamente viva na minha memória. A voz, o cheiro, as mãos, o abraço... Não pode ser. São em momentos assim que eu repito pra mim mesma: "Deus não comete erros, Muriele".
As perguntas surgiram mais uma vez... "Será? Será? Será"? Então me lembrei da ovelha perdida... Por mais ferida que ela estivesse, o PASTOR já havia tomado as devidas providências. Ela estava agora limpa, curada e feliz, de volta ao aprisco.
As quatro perguntas... Ah, as quatro perguntas das quais jamais me esquecerei:
1ª - Houve morte? Sim.
2ª - Qual a causa? Traumatismo cervical.
3ª - Qual o instrumento que produziu a morte? Contundente.
4ª - Foi produzida com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel? Não.
Devo dizer que não concordo com a última resposta...
Foi cruel, muito cruel.

Ao redil voltou

"Eram cem ovelhas, juntas no aprisco...
Eram cem ovelhas, que o amante cuidou.
Porém uma tarde, ao contá-las todas...
Lhe faltava uma, lhe faltava uma, e triste chorou".

Nunca imaginei que essa música pudesse se aplicar tão perfeitamente à minha vida...
Me lembro de ouvi-la quando criança. Minha imaginação fértil criava todo o cenário da história... A ovelhinha perdida, com medo, e o momento glorioso em que era encontrada pelo pastor, que a abraçava com saudade.
Me lembro de ouvir meu pai cantá-la...
"Eram duzentas ovelhas"...
Nós o corrigíamos aos risos, lembrando-o de que eram apenas cem.
Ele não perdia a piada, claro:
"Desde que eu era menino esse número de ovelha não aumenta, gente. Nenhuma delas ficou prenha de lá pra cá"?
A verdade é que eram cem. Menos uma, que se perdeu.
No último domingo, dia 05 de junho, tivemos na igreja um culto especial, voltado à centésima ovelha, àquela pela qual o pastor chorou. Nem preciso dizer o quanto esse dia foi doloroso pra mim.
Ozéias de Paula, que canta a música "Cem ovelhas", esteve conosco no culto que, a propósito, foi lindo. Um misto de sentimentos... Lembranças da infância, saudades daquela época.
Não sei se sou boa o suficiente com as palavras pra conseguir explicar o que aconteceu no culto em questão. Mas quem pode me impedir de tentar? E quem pode me culpar caso não consiga?
Em dado momento, era como se eu fosse a ovelha da música. Aquela perdida, sem rumo, no escuro... A ovelha sozinha, desprotegida, com frio e com medo. Como se eu tivesse realmente saído do aprisco, rejeitando os cuidados do pastor e o conforto do lar.
Eu me arrependi. Me arrependi da distância que criei entre as demais ovelhas e eu após o acidente do meu pai. Me arrependi de coisas que disse, ou apenas pensei, em algumas ocasiões. Me arrependi de sofrer sozinha e calada, quando poderia ter contado com um dos meus muitos amigos...
Pedi perdão. Pedi perdão por ter feito o pastor (leia-se Deus) chorar por minha causa. Pedi perdão por não ter permanecido no aprisco, mesmo cheia de dúvidas e medos. Pedi perdão pelas palavras torpes, pela negligência, o comodismo...
Decidi tentar outra vez. Decidi tentar ser feliz, sorrir de verdade, sem medo. Decidi não ser amarga ou triste. Decidi viver com dignidade a história que Deus escreveu pra mim.
O problema é que essas foram decisões racionais. Estou tentando agir segundo a Bíblia, e não de acordo com o que estou sentindo. Quero chegar ao estágio de sentir de verdade que vou ser feliz de novo. Quero sentir vontade de sorrir, de voltar às minhas atividades... Enquanto isso não acontece, eu tento ser fiel a Deus e à Sua Palavra.
Além de me sentir como a ovelha resgatada naquela noite de domingo, um trecho da música serviu como uma bálsamo para a minha alma, pelo menos naquele momento... Tantas perguntas... "Será que ele sentiu dor? Será que clamou a Deus para que o ajudasse? Será que viu quando um farol se aproximou dele brutalmente? Será que tentou se defender? Será"?...
De repente, uma simples e convincente resposta...

"As noventa e nove deixou no aprisco...
E pelas montanhas a buscá-la foi...
A encontrou gemendo, tremendo de frio...
Curou suas feridas, colocou em seus ombros e ao redil voltou".

O pastor foi até lá para buscá-lo. Lá onde eu não tive forças pra ir.
O pastor o encontrou gemendo, certamente. Encontrou-se com ele quando eu não o fiz.
O pastor o abraçou para protegê-lo do frio. Deu o abraço que eu não pude dar.
O pastor cuidou de cada uma de suas feridas. Curou a dor que jamais desejei que ele sentisse.
O pastor o colocou em seus ombros. Eu nem pude oferecer a ele o meu colinho, para que recostasse sua cabeça.
O pastor o levou para o redil. Apesar de desejar muito levá-lo pro hospital e vê-lo sair dias depois, totalmente recuperado, sei que ele voltou pra casa. Voltou para sua verdadeira casa.
A propósito, sempre concordei com ele sobre o número das ovelhas, apesar de nunca ter reconhecido isso.
"Mas ainda hoje, o PASTOR amado chora suas feridas e quer te salvar".

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Shiva Sentado

A dor não deixa de existir pelo fato de ser ignorada, e tempo, meus caros, nunca curou feridas. Portanto, decidi que vou falar. Vou expor minha fraqueza, viver sem medo o que estou sentindo. Entre impressionar e influenciar pessoas, eu escolho a segunda opção. Além do mais, vou me orgulhar da minha fraqueza, já que, através dela, muitas pessoas estão sendo edificadas.
Eu ando muito ocupada, sabe... É tanto trabalho que não tenho tido tempo nem pra sentir saudade do meu pai. E isso me faz um mal imensurável. Vou tentar explicar o que sinto...
Quando não tiro um período pra chorar, desabafar (seja com Deus ou com um amigo) e me lembrar do meu pai diariamente, a percepção que tenho é de distanciamento. Sinto-o ainda mais longe de mim... E vocês não fazem idéia do que significa isso. Quanto mais penso nele, choro por ele e falo com Deus sobre o estado em que estou pela falta que ele me faz, sinto-me mais acalentada pelo Espírito Santo.
Portanto, uma semana de muito trabalho, estresse e correria desencadeou a pior crise que já tive desde que meu pai se foi. Tudo começou numa quinta-feira à noite, dia 19 de maio, quando me senti sufocada por uma angústia terrível. Acordei na sexta-feira tomada pela mesma dor com a qual dormi na noite anterior. O dia foi longo e atordoado. Cheguei da faculdade, fui pro quarto e de lá pensei nunca mais sair. Dor... Muita dor. Falei com a minha mãe e ela também estava em crise. Meu Deus.
Nesses momentos, temos o terrível hábito de falar muitas coisas das quais nos arrependeremos mais tarde. Falhamos, pedimos perdão a Deus, e uma hora depois... Lá estamos nós, praticando o mesmo erro. Falei muito com Deus e ainda assim a dor insistia em permanecer ali. De repente, me lembrei de um presente do PJ, um DVD. Devido às minhas muitas atividades, ainda não havia tido tempo de assistir, mas acredito que aquele dia foi escolhido por Deus para que isso acontecesse.
Liguei a TV. Pausa para a leitura do disco. Segundos de ansiedade e esperança... O que estaria reservado para aquele momento? Talvez Deus pudesse falar comigo e amenizar a angústia. Talvez.
Naquela noite tão sombria, o presente do PJ me pareceu um feixe de luz. Algumas das verdades que foram reativadas em minha memória:
A Bíblia diz que o Espírito de Deus se comove... Então Ele está intimamente ligado e triste com o que está acontecendo comigo. A Bíblia diz que Jesus chorou. Ele sentiu a dor da perda e se deixou atingir pela força do momento. Se o Filho de Deus externalizou, se Jesus chorou, então eu posso chorar também.
Então eu entendi que preciso ser atingida... Não posso evitar. Não posso conter minhas reações a certas situações pensando que assim elas desaparecerão. Se eu guardar o que estou sentindo, ficará aqui dentro, em algum lugar. E um dia aflorará. Preciso externalizar, senão ficará trancado aqui... Eu perdi meu pai e acho que estou lamentando adequadamente, dando a mim mesma o direito de sofrer, de não querer sorrir, de não me interessar por nada... Eu percebi que meus sentimentos são válidos. Tudo bem se eu chorar.
Existe um antigo costume judaico que pratica isso de uma forma muito profunda. Chama-se “Shiva Sentado”. Ao conhecer alguém que perdeu um ente querido, você vai até a casa da pessoa e senta-se com ela. Você simplesmente se senta. Só isso. E não diz nada. Se ela quiser falar, então você fala. Mas se ela preferir o silêncio, você apenas a respeita. Entendi que Deus está “Shiva Sentado” aqui comigo, sofrendo, chorando, sem nada dizer, simplesmente porque agora eu não quero conversar.
É fácil uma perda, seja ela qual for, tomar a importância central. Eu tinha e perdi. Há um enorme vazio no espaço que meu pai ocupava e agora só consigo pensar nisso. O que acontece nesse processo é que eu enfoco o que não tenho e me esqueço do que tenho... Tenho minha mãe, minha irmã, minha vida... E tantas outras coisas.
Há um pequeno detalhe nisso tudo: eu faço a escolha sobre o tipo de pessoa que sou ou que quero ser. Tenho a escolha de me tornar amarga ou não. Se eu não reconhecer essa escolha, um pouquinho de amargor vai entrar e daí então tomar conta de tudo.
O Senhor me fez ver problemas, muitos e amargos, mas me recuperará novamente. Ele fez a ferida e a sarará. Meu coração NUNCA será o mesmo, mas vou me recuperar. Um dia Deus recuperará tudo.  

Do jeito que deveria ser...



Mais um dia de crise, como outro qualquer.
A presença do Otávio revela o quanto meus sentimentos se confundem entre si. Uma instabilidade que me incomoda... Ao vê-lo, pegá-lo no colo, acariciá-lo, sentir seu cheiro doce e suave, eu sinto como se meus problemas desaparecessem por alguns instantes. De repente, lembro-me de como meu pai estaria feliz com o sobrinho tão esperado, para o qual ensinaria a arte de ser um “pião”, com canivete na cintura, “butina” e chapéu de “páia”.
Aprendi a desconfiar de todas as pessoas que vão embora, seja por um curto espaço de tempo, seja por dias, semanas, meses... Tenho a impressão de que elas não mais voltarão. Medo de perder mais alguém, eu acho. Então, ver o Otávio partindo, mesmo sabendo que em breve voltará, representa pra mim uma dor incomum.
O deixei em casa, despedindo-me dele com um beijo e levando comigo seu cheiro gostoso. Fui pra faculdade, ao som de Hillsong cantando “You hold me now”. Sentimentos confusos... Alegria por ter visto o Otávio, tristeza por tê-lo deixado, recente saudade dele, saudade eterna do meu pai.
Eu estava parada, esperando o carro da frente me dar passagem e... Um barulho alto... Senti meu corpo sendo impulsionado pra frente. Alguém havia batido em mim. Ao olhar pelo retrovisor, a constatação que me fez perder o ar... Era uma moto. Justamente. Uma moto, meu Deus. Eu havia pedido em oração para que nunca batesse em um motociclista. Me parece tão cruel fazer o que fizeram com o meu pai...
Muito assustada, desci pra ver se o moço precisava de ajuda. Mal deu tempo de fazer isso... Ele fugiu, talvez porque se assustou, ou porque sabia que estava errado. O fato é que ele não sabe o mal que me fez. Não queria culpá-lo, não queria dinheiro. Não mesmo. Eu queria ver se estava bem, se precisava de ajuda... Naquele dia, eu não consegui ir até o local do acidente pra ver o meu pai. Aliás, eu nunca consegui reagir a um acidente. Essa foi a primeira vez... Ou teria sido, se eu tivesse a oportunidade de prestar socorro ao moço da moto.
Então eu me vi sozinha... Estava muito escuro, ninguém pra me dizer que estava tudo bem. Na verdade não estava, mas eu queria ouvir uma mentira, só desta vez...
Eu chorei tanto quanto pude. “Uma moto! Uma moto, meu Deus, uma moto”! Me lembrei do que poderia ter feito pelo meu pai... Poderia muito bem ter ido até lá, ter orado pra que voltasse, sei lá... Na pior das hipóteses, poderia ter apoiado a cabeça dele no meu braço, ou tê-lo deitado em meu colo, só pra diminuir a sensação de abandono, de desprezo... Ele ficou cerca de quatro horas ali, caído... Inerte... Fazia frio e ele estava gelado. Eu não consegui vê-lo assim e hoje me pergunto se não teria sido melhor ir até lá.
Desespero. A única coisa que consegui fazer foi uma ligação... Além da minha mãe (que no momento está impossibilitada de me oferecer equilíbrio) e da Lucielle (que surpreendentemente é uma das poucas pessoas que entendem de verdade o que estou sentindo), a única pessoa que consegue me acalmar nesse momento é ele...
“Nandim, você pode falar agora”? Sim, ele pôde. E não só falar. Ele ouviu. Ouviu coisas repetitivas, sem nexo. Ouviu gritos abafados pela manga da minha camisa... Ouviu minha dor e a sentiu, lá de longe. Chorou comigo, orou... Ele disse coisas das quais jamais me esquecerei. Ele me conhece melhor que eu mesma e, além do mais, “Deus revela”, então sempre sabe o que dizer. Sempre. “Nandim, você sempre tem uma resposta pra tudo. Então me explica por que isso aconteceu! Me explica, por favor, me explica”... “Calma, vai ficar tudo bem. Agüenta firme, só mais um pouquinho, por favor... Um pouquinho só e as coisas vão se acertar”.
Durante a oração que fez por mim (oração mais do que válida, diga-se de passagem), ele disse algo que muito me marcou... “Pai, eu quero ter um coração ensinável”... Ah, como eu quero aprender tudo quanto Deus quer me ensinar através dessa dor aparentemente insuportável. Como eu quero contar meu testemunho e servir de encorajamento para milhares de pessoas... Como eu quero. Eu quero dançar sobre a dor, quero ter esperança. Mas por enquanto...
“Pai, a Muriele está em uma floresta. Ela está com medo, porque está chovendo, está frio e escuro. Leve-a pra casa, dê um banho nela e a coloque para descansar em seu colo”... Amém, amém e AMÉM.
Ao final da conversa, mal consegui agradecer por tudo e ele ainda me fez rir. Por mais improvável que pudesse parecer, eu ri, e com vontade, como fazia antes. Eu ri.
Foi aí que entendi o porquê do pequeno acidente...
Eu precisava falar com ele, precisava ouvi-lo, senti-lo “perto” pra ter de novo a sensação de segurança, a mesma transmitida pelo melhor abraço de toda a minha vida.
Eu entendi que não importa o que aconteça, eu vou sempre voltar pra casa. Entendi que ele é minha casa, é a alma em mim, do jeito que deveria ser. Entendi que ele vai se casar, constituir uma linda família e que vai fazer isso cada vez mais longe de mim, porque tem as nações como promessa, mas que, apesar de tudo isso, vai continuar sendo tudo que sou (de bom) misturado com tudo que falta em mim.
Ao meu melhor amigo, toda sorte de bênçãos e meus sinceros agradecimentos pelo dia 31 de maio de 2011.








Deus estava ali

Vem estar ao meu lado, eu não sei por onde seguir...
Está escuro e faz frio, minhas forças eu perdi.
Os que eu amava partiram, meu caminho perdeu o sentido.
Ao chorar no escuro percebi... Havia alguém ali... Você estava ali.
Já nasceu outro dia, posso levantar e viver.
Descobri Teu sorriso e encontrei motivos pro meu.
Na fraqueza, achei Tua força. No vazio, achei Teu abraço.
Eu pensei estar só, mas percebi... Havia alguém ali. Você estava ali.
Na fraqueza, achei Tua força. No vazio, achei Teu abraço.
Eu pensei estar só, mas percebi... Havia alguém ali. Você estava ali.
Já nasceu outro dia, posso levantar e viver...

f5

Saudade de postar aqui...
Ainda que ninguém leia, eu me sinto melhor em poder "falar".
Não tenho tido tempo pra nada... Conciliar CINCO empregos, o TCC, problemas e cobranças não é nada fácil. Mas quem faz mais do que pode, recebe mais do que precisa. Eu sei.
Algumas coisas boas aconteceram...
Fui ao show do Jeremy Camp em Goiânia no dia 12 de maio. CHO-CAN-TE.
A vinda dele ao Brasil, justamente nesse momento, representou muito pra mim. Durante a ministração (traduzida pelo André Valadão), ele não disse nada que eu já não tivesse ouvido, mas suas palavras me foram muito úteis... Há 10 anos ele perdeu a esposa e experimentou o consolo e a cura para sua dor na alma. Por isso é inspiração pra minha vida. Uma simples e óbvia frase (carregada de essência), me despertou para a sincera adoração: "Deus é fiel". Só.
E para as Campnetes de plantão, sim, o Jeremy é lindo (palavra de alguém que ficou MUITO perto dele). Desculpa. Posso falar? Ele ficou uma graça com a camisa da seleção canarinho, ainda mais na parte em que disse "Jesus está aqui, BRuasil"! :)
Ah, também comecei a gravar o documentário sobre o Hospital do Câncer de Rio Verde e continuo na correria com o Auto Negócio. Enfrentei a primeira banca examinadora do TCC e fiquei satisfeita com o resultado, apesar de muitas críticas recebidas.
Enfim, acho que deu pra dar um f5 na minha vida.
Quanto à saudade do meu pai... Ela ainda está aqui e me disse que não pretende ir embora.