quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

A boa notícia de todos os meus dias


Aluna nova? Sim, eu vim transferida da Alfa, de Goiânia.
As aulas da Alfa eram mais dinâmicas, os professores eram mais bem preparados, a estrutura física dava show nessa daqui e até a água vendida na cantina não era tão boa quanto a de lá. Então por que vir pra cá, poxa? Por que não voltar pra bendita Alfa? A aluna nova me dava nos nervos... Mal sabia eu que o fato de ela estar ali, sentada ao meu lado, fazia parte do mais lindo e inquestionável projeto de Deus. Com o passar do tempo, nós duas descobrimos que Papai do céu se referia a mim quando disse que havia preparado alguém para recebê-la aqui. 

Nossa primeira aula foi de Fotografia. Era dia de apresentação de trabalho prático e me lembro de ouvi-la reclamar e soltar um “tá bão até essa chatice”, ou algo parecido. Minha atenção se dividia entre a ansiedade, por ser a próxima a apresentar, e o exercício de observar a novata, que tagarelava o tempo todo. Logo, minha preocupação ganhou um novo alvo... Ela se juntou a outros colegas (que até então eram seus desconhecidos), matou aula e foi pro bar que ficava bem próximo dali. Não entendia porque aquilo me incomodava tanto, já que eu não tinha nada a ver com ela. 

Se eu fosse movida pela religiosidade, talvez já teria imposto a mim mesma uma regra naquele momento: “ela não serve pra ser minha amiga”. Acontece que eu sou movida pelo amor de Deus e pelo sangue de Jesus que corre em minhas veias e o fato de uma pessoa não compartilhar dos mesmos costumes que eu não a torna pior, nem me torna superior. 

Com o passar dos dias, a verdade foi sendo revelada por si só, sem que ela precisasse se justificar ou me provar algo. Eu descobri que ela era doce, sensível e temente a Deus, apesar de tentar mostrar o contrário o tempo todo. Era do tipo legal que se fazia de malvada, sabe?

Começamos o nosso primeiro estágio e consequentemente o primeiro trabalho jornalístico juntas. Dividíamos não apenas a sala de aula e de trabalho, mas confidências e sonhos. Nem sei explicar como de fato isso aconteceu, mas nós nos tornamos amigas, melhores amigas, mais que melhores amigas, irmãs. Soube do chamado de Deus em sua vida e entendi porque sofria por vê-la tomar certos caminhos, mesmo sem conhecê-la até então.

Adotei minha nova irmã em oração, e mais... Pedia a Deus pra que ela nunca precisasse de mim sem que eu soubesse. Foram raras as vezes em que ela realmente precisou de mim... Minhas teorias sobre a vida e os relacionamentos pareciam tão infundadas diante de sua praticidade. Aprendi a amá-la exatamente como ela era: totalmente avessa aos padrões pré-estabelecidos (regras), dona de uma simpatia seletiva que é só dela, e um pouquinho egoísta quando se trata das pessoas a quem ama. Aquele imenso coração, travestido de marra, me cativava dia após dia. Ela conquistou minha confiança de tal forma que foi uma das primeiras pessoas que conheceram minha história sem censura e sem cortes. 

Mas era fácil me amar quando eu parecia tão interessante, feliz, resolvida, cheia de planos. Acontece que o amigo de verdade permanece conosco ao conhecer nossas fraquezas, e foi exatamente isso que ela fez, com um amor tão altruísta como nunca vi igual. Ela me abraçou, me amou nas minhas fragilidades, me aceitou sem questionar, sem cobrar, sem perguntar por que nem pra quê. Ela esteve aqui nos meus piores dias, quando eu não queria sorrir, quando não acredita mais em nada (nem em mim), quando não tinha vontade nem de levantar e viver.

Me lembro da mensagem que me mandou... Era algo assim: “irmã linda, meu coração tá doendo taaaanto por você e eu queria poder te poupar de passar por isso. Chore, sofra... É preciso. Te amo muuuuuito”. A essas alturas, eu já havia recebido a pior notícia que ouvi em toda minha vida. Ela soube antes de mim e sofreu ao imaginar minha reação. 

“Irmã, tragédia não tem hora pra acontecer. Mas não podia ter sido agora. Justo agora”! Ela não se conformava... E eu, muito menos. Havíamos acabado de começar nosso trabalho de conclusão de curso, para o qual deveríamos voltar nossas atenções, finais de semana e feriados. Me lembro de quando ela me ligou pedindo pra eu ajudar em algo no trabalho... Poucos dias depois da tragédia. Me lembro do sofrimento que percebi em sua voz embargada e imaginei o quanto ela tinha ensaiado pra fazer aquela ligação, com medo de me ferir. A confiança que existe entre nós não me permitiu pensar, nem por um momento sequer, que ela estava sendo insensível à minha dor. Eu sabia que ela estava sofrendo tanto quanto eu, ou até mais, naquele específico momento.

A partir de então, vivi os nove meses mais difíceis da minha vida. E eu tenho certeza que se não fosse por ela, pelo Projeto dos Sonhos, pelo Hospital do Câncer, eu não teria conseguido. Por incontáveis vezes, paramos as atividades relativas ao trabalho, mesmo estando este atrasado, só pra ela me acalentar, enquanto eu chorava incontrolavelmente sobre seu colo tão acolhedor. Quantas crises, quantas ligações desesperadas, quantas visitas inesperadas só pra chorar e contar a mesma história um milhão de vezes. E ela sempre me recebia com o mesmo sorriso choroso, com o mesmo abraço forte e reconfortante. Sempre ouvia a mesma história com a mesma atenção e o mesmo interesse, como se eu a estivesse contando pela primeira vez.

“Irmã, fica boa logo... Tô precisando entrar em crise também, e com você desse jeito, não vai rolar”. Só ela conseguia me fazer rir, conseguia se anular em prol do meu bem-estar, conseguia fazer as coisas parecerem mais fáceis. Eu colocava dificuldade em tudo, estava desmotivada e não conseguia enxergar solução. E ela, sempre muito prática, inventava e reinventava métodos pra derrubar os muros que criei em volta de mim mesma, em volta do nosso TCC e do momento pelo qual passava. Tempos depois, me confessou que não considerava a situação tão fácil assim, mas não podia se dar ao luxo de demonstrar desespero diante da irmã tão fragilizada. Que amor altruísta, meu Deus. 

Ela, como ninguém, entendeu, respeitou e se preocupou com o poder avassalador que um diazinho de todo mês exercia sobre mim e sempre me preparava uma “boa notícia do dia 16”, pra fazer com que eu canalizasse minhas emoções em algo bom. Me lembro de esperar ansiosa pela ligação dela. Os minutos que antecediam o anúncio da novidade pareciam eternos e enchiam meu coração de esperança. Não bastasse isso, ela sempre se preocupou também com outro dia. Além do dia 16, havia outro que de igual modo me amedrontava, e só ela foi capaz de perceber esse detalhe. “Irmã, o dia 10 me faz sofrer tanto quanto o 16, porque eu me pergunto se você vai conseguir pagar suas contas”. É... Não foi fácil assumir, da noite para o dia, responsabilidades financeiras que antes eu não tinha. Mas eu, minha mãe e minha irmã não estávamos sozinhas. 

Muitas aventuras, lágrimas, sorrisos e testemunhos foram os frutos dos nove árduos meses de trabalho. No tão esperado dia da apresentação, estávamos nós duas de mãos dadas, recebendo os aplausos da platéia. Nunca vou me esquecer de um detalhe muito importante... Ela, merecidamente, tirou a maior nota do grupo, como se fosse um presente de Deus, um troféu de honra ao mérito. Por mim, ela teria obtido pontuação acima da média, por ter se desdobrado e me suportado durante todos aqueles dias maus pelos quais passei. 

Mais nove meses, e lá estávamos nós duas de novo, recebendo aplausos do público. Dessa vez, abraçadas na passarela, sendo diplomadas como jornalistas. Aliás, um diploma que devo a ela, porque teria desistido ao primeiro sinal de desânimo, se não fosse sua insistência em me fazer permanecer de pé.

Mal deu tempo de recuperar o fôlego e lá estávamos eu e ela, entregues àquele abraço que nos revitaliza simultaneamente, dissipando todo sentimento avesso ao contentamento. Ela disse “sim”. Mas não foi a única. Eu também o fiz. Disse “sim” ao convite para passar da condição de amiga-irmã para amiga-irmã-madrinhadecasamento. A aliança em sua mão esquerda me fez tremer e pensar no quanto amadurecemos desde a nossa primeira aula juntas. Agora minha irmã é uma jovem senhora. Por mais que o natural seja as coisas mudarem após o matrimônio, pra mim elas permanecem como sempre estiveram: tenho um lugar seguro no qual me abrigar em tempos de tempestades, ainda posso recorrer ao colinho dela e de quebra sou sempre recebida com a melhor jantinha do mundo. 

E aí eu me pergunto se um dia vou conseguir retribuir a tanto amor, tamanho cuidado, dedicação sem reservas, preocupação de mãe e atenção altruísta que ela sempre dispensou a mim. O amor é válido quando nos transforma no melhor que podemos ser, e a Lidi fez isso em mim, me ensinando a dizer “não” quando necessário (e comemorando a primeira vez que o fiz como se eu tivesse recfebido um prêmio Esso de Jornalismo), me tirando medos, me ajudando no caminhar, mesmo que a passos lentos. 

Irmã linda, minha oração é para que você receba das mãos do Senhor aquilo que lhe é devido, de acordo com o seu plantio, tendo a convicção de que, pelo menos quanto a mim, você vai colher muitos e bons frutos. Te admiro como profissional, como amiga, irmã, madrinha, filha, prima, neta, sobrinha, esposa e terapeuta. Não sei dizer o que seria de mim sem você, minha rebelde intelectual preferida. 

Quero que meus filhos tenham sempre a casa da tia Lidi pra passar o fim de semana (mas não deixa o Fabrício ensinar bobeira pra eles, por favorrr!). E é claro que a recíproca é verdadeira. Você faz parte de mim e eu te amo muito, muito mesmo. Feliz niver!

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Querido blog, quanto tempo!


Já não nos falamos há seis meses e devo confessar que não tive tempo de sentir sua falta... Perdoe-me pelo ímpeto sincericida, mas precisamos discutir nossa relação com certa urgência, porque não somos mais os mesmos. Desde que nos conhecemos, você tem sido um ótimo ombro amigo, sobre o qual depositei minhas lástimas e temores. Mas agora é diferente...
 
Me preocupei outro dia quando um amigo me disse algo. “Quando quero saber como você está, visito seu blog”. Sim, querido blog, você é meu porta-voz (letra)... Uma espécie de termômetro do meu estado de espírito. Por isso, preciso gritar (escrever) aos quatro cantos como estou bem. Sei que ando em falta contigo, pelo fato de tê-lo usado como muro das lamentações e não ter voltado pra contar que as lágrimas cessaram. 

Nos últimos meses, muitas coisas aconteceram. Algumas das datas mais importantes da minha vida passaram sem que eu pudesse postar aqui um relatório pra te deixar a par das novidades, como, por exemplo, minha formatura no curso de Jornalismo e o casamento da Lidizinhaminhavida. Sim! Não se assuste... Sou jornalista e a Lidi é uma senhora agora (além de ser jornalista também, claro).

O pequeno príncipe Otávio completou seu primeiro aninho e esse fato marcou uma nova etapa da minha vida. Você sabe que ele foi minha válvula de escape quando tudo aconteceu... E por falar nisso, tenho uma GRANDE NOVIDADE. Não estou mais de luto, querido diário. A saudade e o amor não vão acabar, mas o luto foi embora assim que me deixei entregar a um sentimento puro e verdadeiro, o qual me curou, libertou, vivificou. O amor do homem da minha vida me fez ver que ainda posso (e vou) ser muito feliz, ser inteira, ser completa. O meu príncipe (o grande) me tirou da escuridão das lástimas. Hoje eu sou, definitivamente, outra pessoa.

Permita-me contar como a mudança foi efetivada. Dia 16 de março de 2012... Um ano. Data temida, rejeitada pelo meu coração. Se eu não tivesse o Alysson, o cuidado e o amor dele, não sei se sobreviveria. Mas Deus conhece meus limites e tratou de cuidar de todos os detalhes.

Hoje, quase sete meses depois, consigo ainda me lembrar perfeitamente daquele fatídico dia. Minha mãe entrou em crise... Se abraçou às roupas que sobraram e chorou compulsivamente, ouvindo “O Escudo” durante todo o dia. Minha irmã se isolou no quarto e sofreu à sua maneira. Eu já não suportava a tristeza que notoriamente pairava ali. Em um instante de fraqueza (ou de força, não sei), tomei a estrada e fui pra Acreúna, sozinha e sem contar nada a ninguém. 

Voltei ao local do acidente e lá permaneci por algum tempo, chorando e desabafando com Deus. Foi um dos momentos mais difíceis da minha vida... Confrontei a cruz, os dizeres gravados e o bendito (maldito) dia 16. Ali, querido diário, rasguei meu coração e sepultei meu pai, de uma vez por todas. Já fazia um ano e ele permanecia vivo em mim, mais vivo que eu mesma. Pensava nele e chorava todos os dias (sem exceção) desde que tudo aconteceu. Devo esclarecer que não se trata do sepultamento do esquecimento. Ele jamais será esquecido. É o sepultamento da entrega. Entreguei o corpo, a alma e o espírito dele a Deus, como deveria ter feito há muito tempo. Tinha que fazer isso. Tinha que aceitar que ele estava morto. É... Essa é a palavra, que até então eu não conseguia pronunciar... Meu pai estava, está e estará morto pra essa vida. Pela primeira vez, voltei ao cemitério e me certifiquei da verdade que buscava esconder de mim mesma... O túmulo dele estava lá. O consolo naquele momento foi a certeza de que sua alma descansa no Papai do Céu. 

No mesmo dia em que sepultei um pai, ressuscitei outro... Aquele que o Senhor escolheu pra ser o meu, aquele de quem herdei tantas coisas, física e pessoalmente falando. Meu pai Cairo, com quem tinha um relacionamento conflituoso até então, passou a fazer parte da minha vida, de fato, desde aquele dia. Eu errei muito com ele, o magoei, me fiz de vítima, ainda que inconscientemente. Fui confrontada ao ouvir a verdade sobre mim mesma e cresci, aprendi e abracei minha nova família (meus irmãos, a quem tanto amo, meu pai, minha madrasta)... Eles são bênçãos na minha vida, são parte de mim, são minha história, meu testemunho. Hoje sou feliz em tê-los na minha vida, como deveria ser. 

É... As coisas estão se acertando. Hoje eu sou mais forte, mais madura. Hoje eu vejo beleza na vida, como via antes. Acredito de novo na felicidade, na plenitude, na completude. O ano de 2012 tem sido incrível. A propósito, acabei de realizar mais um sonho. Apesar de tê-lo abandonado por um tempo, querido diário, parei um pouquinho a minha agitada rotina com a volta ao trabalho após uma viagem internacional pra te contar as novidades. Sim, internacional. Visitei Paris, Bruxelas e Amsterdam. Viagem linda e inesquecível, porém incompleta, pela ausência do meu amor, que, aliás, tornou-se tão meu que é insuportável pensar em não tê-lo por perto. Em Paris (sozinha, infelizmente), comemorei nosso aniversário de sete meses de namoro e foi impossível não associar o número à perfeição de Deus.

Aqui está um relatório dos últimos meses. Estou surpresa pelo fato de ter conseguido resumir graciosamente minha vida em poucas linhas. Quando conseguir reorganizar meus horários e atividades, posso dar detalhes a respeito de alguns acontecimentos importantes, como minha formatura, por exemplo, que foi inesquecível. Posso falar minuciosamente também sobre o casamento da Lidi. Sobre a viagem então... Posso escrever um livro. Posso... Tá bem. Vou parar por aqui. Foi bom falar contigo. Mando notícias assim que possível. Trouxe um teclado novo de Paris pra você, tá bem?



Sua amiga, Muriele.





quarta-feira, 4 de abril de 2012

Nova estação




Eu sentia que algo bom estava pra acontecer, que uma nova estação acenava pra mim, toda sorridente, pedindo licença para se instalar. Tinha que ser assim... Ou eu não suportaria os ventos impetuosos e o frio causticante do rigoroso inverno que perdurava até então. O mês de fevereiro trouxe consigo a promessa de boas novidades... Afinal, o Congresso estava se aproximando. Sim, aquele Congresso... Aquele mesmo do ano passado...
A minha oração era exatamente essa: “faça-me viver um novo tempo, Senhor”. Porém, mesmo não tendo nada além de um sonho e uma inesgotável fé, não imaginei que Papai do céu fosse levar minha oração ao pé da letra tanto quanto o fez. Ainda em janeiro, enfrentei a pior crise de fé da minha vida. Não vem ao caso explicar, mas eu me vi em meio a situações para as quais, humanamente, não havia solução. Lembro-me bem do dia 24, quando, estando ainda de joelhos, recebi uma ligação como sinal de que o melhor estava por vir. Era a Lidi... “Princesa, a deusa da minha alegria”... Após cantarolar a música que ela mesma definiu como sendo minha, disse empolgadamente: “tenho uma ótima notícia pra você, irmã linda”! Foi realmente uma notícia maravilhosa, melhor do que pensei em um primeiro momento.
No mesmo dia, pouco tempo depois, outra ligação... “Minha filha, você está bem?” Era o Pastor Silvano, um amigo que tenho em Acreúna. Não, eu não estava bem. Aliás, nunca estive tão mal desde março do ano passado. Disfarcei o tanto quanto pude e ele continuou... “Deus me mandou fazer uma campanha de 21 dias de jejum e oração por você. Vamos fazer isso juntos?” Como é bom ter amigos que entendem nossas lutas no âmbito espiritual, que não tiram conclusões a nosso respeito sob influência do estereótipo. “Claro, Pastor, claro”. No outro dia, começou a batalha espiritual e, por mais que meu coração tenha se enchido de fé, não imaginei que Deus fosse empreender tamanha mudança em minha vida. Gosto de pensar que Ele olhava pra mim e dizia: “você não queria um novo tempo, filhinha? Então se joga”!
No dia 04 de fevereiro, eu, Lidizinha e Fabrício lindo fomos até Goiânia, na casa da tia Márcia. Nem se eu quisesse, conseguiria me esquecer daquele final de semana. Voltei outra pessoa, determinada, tão cheia de coragem que mal podia me reconhecer. “Muri, se você não tentar ser feliz, nunca vai saber se daria certo ou não”. Eu acreditei nisso... Tanto que, 20 dias depois, decidi arriscar... Um maravilhoso risco, diga-se de passagem.
Enquanto isso, o conflito na minha casa se intensificava (não de pessoas, mas de idéias). Minha mãe e minha irmã queriam voltar para Acreúna e isso me preocupava muito... Como lidar com um turbilhão de emoções e responsabilidades se a ele fosse acrescentada a ausência da minha família? Sob influência do desejo de fazer as duas felizes, eu não percebia que estava sendo egoísta, atando-as a mim sem que elas desejassem permanecer ao meu lado. Não por falta de amor, gratidão ou qualquer coisa do gênero, mas porque, mesmo me amando, elas simplesmente não se adaptaram à nova vida, à nova cidade e à nova condição (viúva e órfã, respectivamente). Portanto, decidi deixá-las livres.
A campanha de oração com o Pastor Silvano encerrou-se no dia 15, em uma quarta-feira, e, surpreendentemente, no outro dia (16, diga-se de passagem), tudo à minha volta começou a sofrer um processo de transformação. Fiz um compromisso com Deus ainda na quarta, dia 15, e entreguei minha mãe e minha irmã em Suas mãos, deixando de olhar para minha vontade de tê-las por perto e confiando que, à medida que a vontade de Deus fosse feita, elas seriam felizes o tanto quanto pudessem. Eu estava preparada para a idéia de que isso poderia acontecer fora do alcance dos meus olhos. Na quinta-feira, durante o culto, reafirmei meu propósito de entrega e, no outro dia, veio a resposta. Minha irmã estava em Acreúna e, ao voltar pra casa, disse decididamente: “não quero mais me mudar pra Acreúna. Quero ficar aqui, estudar e ser feliz”. Mal podia acreditar no que estava ouvindo. É claro que minha mãe, influenciada pela decisão da Lorrane, escolheu ficar também.
“Quanto vale algo bom sentir, quando só o mal parece vir?” Essa frase nunca fez tanto sentido pra mim quanto no dia 16 de fevereiro, que, definitivamente, marcou de forma positiva minha vida. “Tenho algo engasgado na minha garganta... Talvez seja cedo dizer. Quanto tempo esperando... Mas se há tempo para todas as coisas, já é tempo”. Tá... Essa é outra história. É claro que terei o prazer de contá-la, mas não agora. O que posso dizer é que assisti, como se fosse expectadora de mim mesma, a luta inútil que meu coração travou para não deixar-me apaixonar por uma pessoa que não obedecia às minhas regras idiotas. Aplaudi de pé quando a pseudo razão perdeu a batalha, e a alternativa que me restou foi entregar-me, aceitar que estava apaixonada.
O Congresso da UMADERV aconteceu entre 18 e 21 de fevereiro. O que vivi e aprendi nesses dias vai ficar arquivado da caixa das lembranças por muito tempo, senão por toda a vida. Aliás, fevereiro de 2012 será um mês memorável pra mim. No dia 25 eu disse “sim” pra mim mesma e pra uma pessoa que tem me surpreendido dia após dia. “Sim, Muriele, ele é o que você quer. Então se joga”. As regras? Elas são circunstanciais... Mudam na medida em que o tempo passa, de acordo com o nosso nível de amadurecimento. Acho que Deus sorriu pra mim quando eu decidi quebrar as minhas normas... Obedecendo aos princípios Dele, claro. Nem preciso dizer o quanto os meus dias têm sido felizes desde então... O Alysson é, definitivamente, a combinação do que sou com o que falta em mim. Eu havia mencionado anteriormente que o nome dele é Alysson? Não? Poisé... O nome dele é Alysson. Prazer.
Como novidade pouca é bobagem, logo em seguida, no dia 27, comecei um trabalho novo, em uma área na qual sempre quis atuar. Fui contratada para compor a equipe de assessoria de imprensa da Usina Salto do Rio Verdinho, do Grupo Votorantim. Creio eu se tratar do maior desafio profissional que já enfrentei até agora e espero que seja uma mola propulsora pra minha carreira jornalística.
É... Acho que Papai do céu entendeu bem o recado... “Uma nova estação depois do congresso, meu Deus, por favor, por favor”! E por que, necessariamente, depois do congresso? Porque foi, exatamente, depois do congresso do ano passado, que começou um novo tempo na minha história. O pior de todos, diga-se de passagem. Mas agora eu não quero falar do que passou... Porque meu futuro está depositado em Alguém cujo amor por mim supera o tamanho da minha dor e das más lembranças. 


“Flores de maio (fevereiro?), sol de verão... A primavera está chegando, é o fim da solidão. O pardal encontrou casa e a andorinha ninho para si... E eu os Teus altares. Nuvens e raios sobre o sertão... Avisa lá que está chovendo, é o fim da sequidão. Diz ainda que a gente conseguiu sobreviver à dor e Deus mandou a chuva. Primavera e verão, no outono ou inverno, então, o Senhor é o meu Pastor. Na alegria e na dor, eu confio em Ti, Senhor... Nada vai me separar do Teu amor”.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Minha princesa (by Lidiane Guimarães)


A Lidizinhaminhavida havia prometido escrever um texto sobre mim há muito tempo. Recusando-se a entregá-lo enquanto eu não estivesse mais “felizinha”, essa minha irmã mais velha o fez chegar em minhas mãos como um presente, no dia do meu aniversário. Aliás, foi por causa dele que dormi com o rosto banhado de lágrimas no dia 19... Não de tristeza, claro que não. Ela sabe como tocar meu coração e promover a cura pra minha alma! :’)


Quando criança, ela sonhava com os contos de fadas, acreditando piamente que, quando crescesse, conheceria o príncipe encantado, enfrentaria a bruxa malvada e seria feliz para sempre. O tempo passou e a minha princesa percebeu que o mundo não é exatamente cor de rosa. Mas isso não quer dizer que ela não pode ser feliz como as princesas que um dia almejou ser! Aliás, ela tem muito em comum com aquelas princesas dos contos de fadas. 
Vejamos... Uma princesa em sono profundo, que espera um príncipe encantado para desperta-lá com um beijo provindo de um amor verdadeiro. De fato, a Bela Adormecida poderia ser um clone da minha princesa. Uma diferença gritante da minha majestade é que ela jamais conseguiria transformar o sapo em príncipe. Portadora de sapo fobia, ela rejeita qualquer passeio se sonhar que tem algum anfíbio no caminho. Princesas modernas são assim, cheias de medos e traumas.
De fato, ela também tem algumas afinidades com a Cinderela. Minha majestade já ficou na janela, chorando e orando muito. Também já foi a uma festa vestida como uma rainha. Entretanto, ela ainda não conseguiu dançar com um príncipe. Mas tem um sapatinho de cristal. Na versão masculina, muitos rapazes disseram ser os donos do sapato, mas o pé de nenhum deles se encaixou no objeto até o momento.
Branca como a neve, com os cabelos negros como o ébano e os lábios vermelhos como o sangue. Fisicamente elas não se parecem, mas a beleza da minha princesa certamente também enfeitiçaria o espelho mágico da madrasta.  Ambas tiveram os sete anões apaixonados. Chapeuzinho vermelho é uma garota alegre e prestativa, assim como a minha princesa. Contudo, a minha majestade jamais conseguiria atravessar o bosque com uma cesta cheia de guloseimas. Aposto que faria um piquenique na floresta e iria se deliciar com a comidinha da vovó sozinha. Ela é verdadeiramente uma gulosa.
Minha princesa seguiu os caminhos da Rapunzel. Também foi trancafiada numa torre alta, sem portas ou escadas. A diferença é que a minha nobre desconhecida não tem sua torre feita de tijolos... Sua morada é construída pela fé. Uma construção também forte e sólida, mas que a afasta daqueles que não têm a coragem para pedir que ela jogue as tranças. Por medo ou respeito, talvez. O fato é que sempre que ela ouviu algum pedido, imediatamente jogou as tranças.
Minha majestade não tem sua vida publicada em nenhuma obra. Porém já é bastante conhecida e famosa. Um reconhecimento que é fruto do seu trabalho. Sim, a minha princesa trabalha e trabalha duro. Tem uma facilidade ímpar de conciliar tarefas, consegue ter tempo para a família, amigos, faculdade, trabalho e especialmente para Deus. Ela já percebeu o mundo com todas as suas cores, e entendeu que até o dia cinza é importante para crescer.
Minha princesa sabe que o príncipe encantado existe, mas ainda não achou a forma, tamanho e número exato. Ela quer ser feliz por toda a eternidade e nos ensina a levantar depois do tombo, nos mostra que não dá para sorrir o tempo todo, no entanto o choro não é nada comparado às felicidades da vida. Ela busca dentro de si todas as expectativas de infância e as traz novamente à superfície... Porque... Os contos de fadas? Existem, sim. E essa princesa se chama Muriele Silva. Feliz do autor que conhecer sua história.

Notícias do meu filho Lukas no céu (by Caio Fábio)

No dia 11 de janeiro, quando meu pai completaria seus 44 anos, recebi o texto abaixo, de uma amiga linda que muito tem me abençoado. Obrigada, Loo! :')






É sempre estranho imaginar que um filho seu já viveu mais que você, o pai. É assim que me sinto acerca do Lukas, meu filhote, e que hoje faria 30 anos de idade se ainda andasse por este planeta; ou seja: neste pobre tempo/ espaço/ 2012.
Sim, porque ele não viveu em nada mais do que eu, tendo partido deste mundo aos 22 anos de idade; e, portanto, há oito anos —; embora, pelo fato de ter atravessado a morte, de imediato já tenha vivido infinitamente mais do que eu viveria em bilhões de anos de existência planetária.
E mais: já amadureceu mais do que eu; sendo meu preceptor em outra dimensão; tendo se tornado infinitamente mais maduro do que eu; e muito mais do que isto: conhecendo tudo o que eu nem suponho como seja conhecer.
Assim, em Cristo, pela morte — que virou porta dimensional apenas —, seu filho se torna seu pai, seu irmão mais velho, seu superior na dimensão espiritual, seu antecessor no espírito, sua testemunha de fé na Assembléia dos Primogênitos arrolados nos céus, em glória!
Eu estou aqui em baixo; vivendo as ambiguidades e ambivalências deste existir; ainda tangido pelas forças banais da vaidade que acontece debaixo do sol. Ele, porém, transcendeu a tudo isto; e, em Cristo, já sabe, já conheceu e já provou o que eu mesmo não tenho nem como alcançar imaginar.
Aqui estou mais velho oito anos, e, no coração, até mais ainda [...]; isto também pelo choque da doce partida dele. Sim, fiquei mais velho do que sou; mais idoso; mais forjado em uma forma de dor que me era desconhecida.
Ele, porém, está eternizado; está celestializado; está plenificado como a plenitude possa ser antes da ressurreição do corpo... Sim, ele não passou ainda pela ressurreição do corpo, embora já esteja ressuscitado, conforme a promessa que diz: “Aquele que crê em mim, ainda que morra [no corpo], viverá; e todo aquele que vive [no tempo/ corpo] e crê em mim, não morrerá eternamente”. E isto foi dito de modo precedido pela declaração: “Eu Sou a Ressurreição e a Vida.”
Portanto, em tal contexto, a ressurreição do corpo — e que de fato acontecerá — passa a ser algo de natureza escatológica/ pedagógica; posto que estar-já-sendo em Cristo na eternidade seja a consumação antecipada de todas as coisas.
O Lukas atemporal e eternizado na celestialidade não é meu filho; é meu irmão; é meu [...] sem que me pertença; assim como eu sou dele, sem que, todavia, lhe pertença. Quando eu o encontrar, nos fundiremos em um amor que não vale tentar descrever a fim de não empobrecer; mas sei que não será nada como os afetos marcados pelo pertencimento animal determinam. Será algo como abraçar em Jesus; algo como se interpenetrar no amor absoluto; sem palavras; sem “lembra?”; sem “e como estão?”; sem temporalidade alguma; embora tudo seja dito sem perguntas e sem questões; sim, tudo seja pra além do aqui... E do aquém!
Ele já está lá; já sabe como é de fato tudo o que eu pobremente apenas cogito... Sim! Meu filho já é! Eu ainda estou sendo e tentando ser! Entre [] tanto — [sim; entre o tempo e a eternidade] —, como é bom saber que meu filho já passou; já entrou; já conhece; já é; já alcançou!
Este é meu maior galardão como pai: ter um filho que me precedeu na ressurreição dos mortos; ainda que a ressurreição do corpo não tenha acontecido na história como fenômeno coletivo —; embora, também na história, a ressurreição de Jesus já seja a Escatologia Realizada de todas as ressurreições.
NELE, em QUEM meu filho não sente mais saudades de nada e nem de ninguém [...] —, eu completo pela fé a minha felicidade de amor verdadeiro, que se alegra com os que se alegram, inclusive com a cogitação da alegria eterna da ressurreição na qual meu Luk-Luk já entrou.

Caio Fábio (10 de janeiro de 2012, Copacabana – RJ).

A trilogia e o Senhor dos meus dias

Eu já sabia que no primeiro ano tudo seria mais difícil. Primeira páscoa, primeiro dia dos pais, primeiro Natal, primeiro ano novo, primeiro aniversário dele, meu primeiro aniversário... Estas duas últimas datas ainda tinham, entre si, o dia 16, no qual a saudade completava 10 meses.
Pois bem, a trilogia 11, 16 e 19 parecia determinada a causar dilaceramento. É inevitável lembrar o que aconteceu em seu último aniversário (como tenho feito com outras datas igualmente importantes). Pela primeira vez na vida, desde que eu me lembre, esqueci de ligar no dia do aniversário dele, no ano passado. Logo eu, que sou tão atenciosa com essas datas, e logo aquele aniversário, que seria o último...
Tentei corrigir o imperdoável erro no dia seguinte e o celular estava fora da área de cobertura. Lembrei-me que ele estava no Mato Grosso, especificamente em um lugar no qual não havia antena para telefonia móvel. Sendo bem sincera, foi um grande alívio. Pelo menos eu não sentiria culpa e ele não saberia, nunca, que eu havia me esquecido. Dói dizer isso, dói maquiar o desconforto... Eu poderia simplesmente contar uma linda história, surreal, porém inocente, daquele aniversário. Mas, dessa forma, não poderia oferecer cura aos que sofrem com lembranças parecidas. Por que me martirizar por conta de um único dia, se todos os demais da minha vida, e Deus sabe do que estou falando, foram dedicados a fazê-lo se sentir bem, a amá-lo incondicionalmente, a respeitá-lo e dar orgulho a ele? Mais uma vez, tive a oportunidade de praticar uma importante lição aprendida há algum tempo: não posso ser tão dura comigo.
Na época em questão (depois do meu aniversário, que é no dia 19 de janeiro) estavam sendo realizados os pré-congressos na minha igreja. Pra quem desconhece completamente o assunto, trata-se de cultos em todas as congregações pertencentes ao templo Sede; cultos esses que têm o intuito de divulgar o nosso mais importante congresso de jovens, que acontece sempre no período do carnaval. Por motivos bastante específicos e, juro, não óbvios, eu havia feito um compromisso de participar de todos os pré-congressos e ensaios do conjunto e, para tanto, ficaria o tempo que fosse necessário sem ir até Acreúna. Vale destacar que, até então, eu não conseguia ficar um fim de semana sequer sem ir pra lá... Nunca consegui cortar o “cordão umbilical” e sentia a necessidade de sempre estar com a minha família.
Certo dia minha mãe ligou me intimando a ir pra Acreúna, sob a alegação de que faríamos uma festa surpresa pro meu pai. Foi difícil tomar a decisão de atender ao pedido dela, já que eu havia feito um compromisso com Deus. Mas meu Papai do céu não é um ser tirano, rígido, inflexível... Ele é maleável e só precisa que nos aproximemos com intimidade, sem medo, sem reservas. Tudo o que nos cerca é espiritual, mas não podemos espiritualizar tudo. Eu tinha a convicção de que Deus entenderia o quanto era importante pra mim ver o meu pai naquele momento. Eu sabia que Ele ficaria muito feliz em me ver em casa, com minha família, naquela específica ocasião.
Eu, Naná e Lorrane compramos os presentes de aniversário do meu pai. Uma calça, um cinto e uma camiseta, os quais ele mal usou... Preparei um discurso impecável para o momento da entrega, mas nada aconteceu como planejei. Lembro-me de vê-lo chegar sujo do trabalho e, antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, minha irmã entregou os presentes pra ele, que os recebeu com um sorriso imenso, uma mescla de gratidão e orgulho das filhas adultas, ou quase isso. “Lorrane, não era pra entregar agora e também não era pra entregar o meu e o da Naná”! Eu logo esbravejei. Ele riu da disputa. Eu teria que nascer de novo pra ter outro momento tão significativo quanto aquele. A forma compenetrada como ele me olhou fez parecer desnecessária qualquer palavra. Tudo que eu havia ensaiado pra dizer desapareceu, dando lugar a um sorriso embargado e terno. Eu sei exatamente o que aquele olhar queria dizer... Era a nossa forma mais profunda de comunicação, já que ele tinha dificuldade em expressar seus sentimentos. Eu sei que deveria ter dito muita coisa, mas não trocaria aquele momento de singular intimidade pelo texto que mentalizei. “Muito obrigado”, ele disse sorrindo. Eu acenei com a cabeça e sorri de volta. Foi o último sorriso dele que recebi assim de forma tão particular, tão direcionada. Foi também a última vez que o vi me olhar tão profundamente.
Naquele dia meus pais iriam a um casamento e eu estava ansiosa pra vê-los chegar, por conta da surpresa. Mas quem se surpreendeu fui eu. Na verdade, a festa era pra mim, e minha mãe usou a desculpa do aniversário do meu pai porque sabia que de outra forma eu não iria pra Acreúna. Fiquei feliz e grata aos meus amigos pelo carinho, mas chateada por ter meus planos frustrados mais uma vez... Eu havia sonhado com aquela festa. Fui buscar meus pais na igreja e levá-los para a festa de casamento. Foi a primeira (e última) vez que dirigi sob o olhar cauteloso do meu pai. Lembro-me de perguntar se ele queria dirigir e ficar muito tensa ao ouvi-lo dizer que não, que queria ver como eu estava ao volante. Ele era motorista de caminhão, tão experiente, tão seguro. Eu não imaginava que o fato de dirigir tão bem não seria capaz de livrá-lo da morte pouco tempo depois. Enfim... Ele não me disse, mas acho que me aprovou como motorista, apenas pelo olhar, mais uma vez.
No dia seguinte, tivemos o nosso último almoço juntos. Foi, sem dúvida, o mais especial de todos. Apenas eu, ele, minha mãe, a Lorrane e a Naná. Ele, pela última vez, manuseou a churrasqueira, algo que gostava tanto de fazer. Acendeu o fogo com álcool e deixou suas digitais sujas de carvão no frasco. Como aquelas digitais me fizeram chorar depois que ele partiu... Eu tocava nelas como se estivesse tocando em suas mãos. Claro que, com o passar do tempo, as marcas desapareceram. As do frasco, não as do meu coração. O fim de semana perfeito chegava ao fim e eu precisava voltar pra casa. Eu tinha 21 anos, meu pai, 43. Tantos planos para o ano que acabara de começar. Planos interrompidos pouco tempo depois.
No dia 12 de fevereiro voltei em Acreúna para, sem saber, me despedir do meu pai. Na impossibilidade de mudar os projetos de Deus sobre a vida dele, tudo o que eu queria era apenas saber que aquele seria o nosso último abraço. Com certeza eu teria aproveitado mais, me agarrado a ele com toda força que havia em mim, me recusado a soltá-lo, a deixá-lo ir... O mais incrível é que estive lá outra vez, porém ele não estava dormindo em casa, por conta de seu trabalho na fazenda. Sempre que íamos até Acreúna, voltávamos de lá no final da tarde, às seis horas, aproximadamente. Nesse dia, por incrível que pareça, saímos às três da tarde, sem nenhum motivo aparente. Minha mãe disse que ele chegou quarenta minutos depois que saímos e por muitas vezes eu meu perguntei por que isso aconteceu, por que eu não esperei ou por que ele não chegou mais cedo. Depois, entendi que se eu estivesse lá, se tivesse o abraçado naquele dia, eu sentiria o que estava prestes a acontecer. Tenho certeza que sentiria. Acho que Deus quis me poupar de sofrer por antecipação ou evitar que eu orasse pra que Ele não o chamasse pra glória, porque era propósito Dele e tinha que ser assim.
Pouco tempo depois, no dia 16 de março, ele me deixou sem ter o cuidado de dizer adeus. Lá estava eu, escolhendo a última roupa que ele usaria na Terra. Isso foi cruel, mas, ao mesmo tempo, gratificante. Peguei a calça nova dele (aquela que eu havia comprado em seu aniversário), uma camisa que ele gostava muito de usar e uma gravata que combinava com a camisa... Gosto de pensar que ele ficaria feliz com a minha escolha.  A camiseta e o cinto do aniversário estão comigo e me fazem lembrar um dos dias mais especiais da minha vida... São lembranças que me fazem sorrir, chorar, acreditar, desacreditar. Fico pensando na roupa linda com a qual ele estará vestido quando o reencontrar, no céu. Sei que vai ser toda branca e que terá beleza ímpar...
Todos os dias 16 têm sido realmente muito difíceis pra mim, porém, não tanto quanto o último dia 11 de janeiro... Eram seis da manhã e eu despertei como um choque. Fui ao trabalho, mas era como se não estivesse lá. Suportei o tanto quanto pude, mas... Quando dei por mim, estava parada na porta da casa da Lidi. Pobre Lidizinha... Quanta coisa tem suportado por amor a mim. Acho que essa foi a minha pior crise e, pela primeira vez, minha sábia conselheira não sabia o que dizer. Mas a forma como ela me olhou, demonstrando aceitação, foi muito mais acolhedora do que qualquer palavra; isso sem falar do abraço e da maneira única que ela tem de fazer com que eu me sinta melhor: “quer contar como foi o último aniversário dele, irmã?” Nada pode ser mais libertador do que falar... A não ser, claro, a aceitação sem julgamento da pessoa que ouve. De repente, surge uma das idéias geniais dessa minha irmã por escolha... “Faça coisas que poderiam te deixar feliz hoje. Você vai se sentir melhor, eu garanto. Pode chorar, contar a mesma história quantas vezes quiser, mas faça algo bom”. Pouco tempo depois, eu estava sorrindo e apertando felisticamente os braços da Lidi... Só Deus sabe o quanto sou grata por essa amizade.
Fui pra casa e encontrei todo mundo no mesmo estado que eu... Eram visíveis os sentimentos de saudade, dor, tristeza, boas lembranças e dura realidade. É claro que a presença do Otávio fez com que tudo parecesse menos doloroso. Até certo ponto... Estávamos nós dois, como de costume, ouvindo música e cantando (eu me esforçando pra isso e ele só emitindo sons nada convencionais... É a única forma que ele tem de se expressar). Ele está na fase de incríveis descobertas, e uma delas é cantar “parabéns”. De repente, começou a bater palmas e sorrir pra mim, como se estivesse pedindo reconhecimento pelo grande feito. E eu o fiz, até que me lembrei que dia era aquele e o que significava o fato de o meu príncipe, pela primeira vez (pelo menos que eu tenha visto), cantar “parabéns pra você”. Continuei olhando pra ele, até que consegui recolocar os pensamentos no lugar e me dei conta de que era apenas uma coincidência. Ainda bem que ele ainda não sabia falar, pra não me obrigar a ouvir “muitas felicidades, muitos anos de vida”... Além de passar o dia com o Otávio, comi muito palmito, ouvi Thalles Roberto e chorei o tanto quanto pude (seguindo o conselho da Lidi, de fazer coisas das quais eu gosto). E esse foi o pior dia dos últimos dez meses.
Acho que sofri tanto nesse dia 11, que, pela primeira vez desde o acidente, o dia 16 foi só mais um, sem maiores danos e, por incrível que pareça, sem lágrimas. Logo chegou o meu aniversário, dia 19, e aí a tristeza pensou em se instalar... Mas eu me lembrei do que havia aprendido na virada do ano... “Aqui não, coração, você está guardado”.  É claro que o dia amanheceu totalmente diferente se comparado aos anos anteriores... Nada daquela euforia de sempre. O carinho dos meus amigos fez o dia parecer melhor, com certeza; mas, como aqui dentro de mim era impossível existir festa, isso se exteriorizou. Lembrei-me ainda de outro detalhe... No dia da minha última crise (11 de janeiro), a Lidi me aconselhou a pedir um presente pra Deus, mas eu não sabia o que pedir. Ela disse que não precisava saber... Era só pedir pra que Ele me surpreendesse com algo bom. Fiz isso, sem nem imaginar o que poderia receber. Pedi também algo bem específico e, infelizmente, recebi uma péssima notícia como resposta. Mas tudo bem... Eu não me relaciono com Deus pelo que Ele pode me oferecer e sei que o fato de Ele não me conceder o que desejo não significa que não seja bom ou que não me ame. Por outro lado, posso dizer que uma das minhas metas pra 2012 foi cumprida muito rapidamente... Ganhei uma Dudalina do casal Lindeza sem fim!
Sei que uma dor não respeita os limites do tempo, mas sinto que preciso me desprender das datas que mais me causam danos. Sei que Papai do céu é o Senhor dos meus dias, inclusive destes três... Preciso me convencer de que são dias comuns... Eu vou tentar. Eu disse “tentar”.


De todos os pensamentos que tive sobre o meu pai (e foram milhões), o que nunca me ocorreu é que eu estava exagerando. Eu nunca soube se estava sofrendo o quanto deveria. Só sei que estava sofrendo tanto quanto estava sofrendo, simplesmente. Nem disfarçando, nem fingindo.