Aluna nova? Sim, eu vim
transferida da Alfa, de Goiânia.
As aulas da Alfa eram
mais dinâmicas, os professores eram mais bem preparados, a estrutura
física dava show nessa daqui e até a água vendida na cantina não
era tão boa quanto a de lá. Então por que vir pra cá, poxa? Por
que não voltar pra bendita Alfa? A aluna nova me dava nos nervos...
Mal sabia eu que o fato de ela estar ali, sentada ao meu lado, fazia
parte do mais lindo e inquestionável projeto de Deus. Com o passar
do tempo, nós duas descobrimos que Papai do céu se referia a mim
quando disse que havia preparado alguém para recebê-la aqui.
Nossa primeira aula foi
de Fotografia. Era dia de apresentação de trabalho prático e me
lembro de ouvi-la reclamar e soltar um “tá bão até essa
chatice”, ou algo parecido. Minha atenção se dividia entre a
ansiedade, por ser a próxima a apresentar, e o exercício de
observar a novata, que tagarelava o tempo todo. Logo, minha
preocupação ganhou um novo alvo... Ela se juntou a outros colegas
(que até então eram seus desconhecidos), matou aula e foi pro bar
que ficava bem próximo dali. Não entendia porque aquilo me
incomodava tanto, já que eu não tinha nada a ver com ela.
Se eu fosse movida pela
religiosidade, talvez já teria imposto a mim mesma uma regra naquele
momento: “ela não serve pra ser minha amiga”. Acontece que eu
sou movida pelo amor de Deus e pelo sangue de Jesus que corre em
minhas veias e o fato de uma pessoa não compartilhar dos mesmos
costumes que eu não a torna pior, nem me torna superior.
Com o passar dos dias,
a verdade foi sendo revelada por si só, sem que ela precisasse se
justificar ou me provar algo. Eu descobri que ela era doce, sensível
e temente a Deus, apesar de tentar mostrar o contrário o tempo todo.
Era do tipo legal que se fazia de malvada, sabe?
Começamos o nosso
primeiro estágio e consequentemente o primeiro trabalho jornalístico
juntas. Dividíamos não apenas a sala de aula e de trabalho, mas
confidências e sonhos. Nem sei explicar como de fato isso aconteceu,
mas nós nos tornamos amigas, melhores amigas, mais que melhores
amigas, irmãs. Soube do chamado de Deus em sua vida e entendi porque
sofria por vê-la tomar certos caminhos, mesmo sem conhecê-la até
então.
Adotei minha nova irmã
em oração, e mais... Pedia a Deus pra que ela nunca precisasse de
mim sem que eu soubesse. Foram raras as vezes em que ela realmente
precisou de mim... Minhas teorias sobre a vida e os relacionamentos
pareciam tão infundadas diante de sua praticidade. Aprendi a amá-la
exatamente como ela era: totalmente avessa aos padrões
pré-estabelecidos (regras), dona de uma simpatia seletiva que é só
dela, e um pouquinho egoísta quando se trata das pessoas a quem ama.
Aquele imenso coração, travestido de marra, me cativava dia após
dia. Ela conquistou minha confiança de tal forma que foi uma das
primeiras pessoas que conheceram minha história sem censura e sem
cortes.
Mas era fácil me amar
quando eu parecia tão interessante, feliz, resolvida, cheia de
planos. Acontece que o amigo de verdade permanece conosco ao conhecer
nossas fraquezas, e foi exatamente isso que ela fez, com um amor tão
altruísta como nunca vi igual. Ela me abraçou, me amou nas minhas
fragilidades, me aceitou sem questionar, sem cobrar, sem perguntar
por que nem pra quê. Ela esteve aqui nos meus piores dias, quando eu
não queria sorrir, quando não acredita mais em nada (nem em mim),
quando não tinha vontade nem de levantar e viver.
Me lembro da mensagem
que me mandou... Era algo assim: “irmã linda, meu coração tá
doendo taaaanto por você e eu queria poder te poupar de passar por
isso. Chore, sofra... É preciso. Te amo muuuuuito”. A essas
alturas, eu já havia recebido a pior notícia que ouvi em toda minha
vida. Ela soube antes de mim e sofreu ao imaginar minha reação.
“Irmã, tragédia não
tem hora pra acontecer. Mas não podia ter sido agora. Justo agora”!
Ela não se conformava... E eu, muito menos. Havíamos acabado de
começar nosso trabalho de conclusão de curso, para o qual
deveríamos voltar nossas atenções, finais de semana e feriados. Me
lembro de quando ela me ligou pedindo pra eu ajudar em algo no
trabalho... Poucos dias depois da tragédia. Me lembro do sofrimento
que percebi em sua voz embargada e imaginei o quanto ela tinha
ensaiado pra fazer aquela ligação, com medo de me ferir. A
confiança que existe entre nós não me permitiu pensar, nem por um
momento sequer, que ela estava sendo insensível à minha dor. Eu
sabia que ela estava sofrendo tanto quanto eu, ou até mais, naquele
específico momento.
A partir de então,
vivi os nove meses mais difíceis da minha vida. E eu tenho certeza
que se não fosse por ela, pelo Projeto dos Sonhos, pelo Hospital do
Câncer, eu não teria conseguido. Por incontáveis vezes, paramos as
atividades relativas ao trabalho, mesmo estando este atrasado, só
pra ela me acalentar, enquanto eu chorava incontrolavelmente sobre
seu colo tão acolhedor. Quantas crises, quantas ligações
desesperadas, quantas visitas inesperadas só pra chorar e contar a
mesma história um milhão de vezes. E ela sempre me recebia com o
mesmo sorriso choroso, com o mesmo abraço forte e reconfortante.
Sempre ouvia a mesma história com a mesma atenção e o mesmo
interesse, como se eu a estivesse contando pela primeira vez.
“Irmã, fica boa
logo... Tô precisando entrar em crise também, e com você desse
jeito, não vai rolar”. Só ela conseguia me fazer rir, conseguia
se anular em prol do meu bem-estar, conseguia fazer as coisas
parecerem mais fáceis. Eu colocava dificuldade em tudo, estava
desmotivada e não conseguia enxergar solução. E ela, sempre muito
prática, inventava e reinventava métodos pra derrubar os muros que
criei em volta de mim mesma, em volta do nosso TCC e do momento pelo
qual passava. Tempos depois, me confessou que não considerava a
situação tão fácil assim, mas não podia se dar ao luxo de
demonstrar desespero diante da irmã tão fragilizada. Que amor
altruísta, meu Deus.
Ela, como ninguém,
entendeu, respeitou e se preocupou com o poder avassalador que um
diazinho de todo mês exercia sobre mim e sempre me preparava uma
“boa notícia do dia 16”, pra fazer com que eu canalizasse minhas
emoções em algo bom. Me lembro de esperar ansiosa pela ligação
dela. Os minutos que antecediam o anúncio da novidade pareciam
eternos e enchiam meu coração de esperança. Não bastasse isso,
ela sempre se preocupou também com outro dia. Além do dia 16, havia
outro que de igual modo me amedrontava, e só ela foi capaz de
perceber esse detalhe. “Irmã, o dia 10 me faz sofrer tanto quanto
o 16, porque eu me pergunto se você vai conseguir pagar suas
contas”. É... Não foi fácil assumir, da noite para o dia,
responsabilidades financeiras que antes eu não tinha. Mas eu, minha
mãe e minha irmã não estávamos sozinhas.
Muitas aventuras,
lágrimas, sorrisos e testemunhos foram os frutos dos nove árduos
meses de trabalho. No tão esperado dia da apresentação, estávamos
nós duas de mãos dadas, recebendo os aplausos da platéia. Nunca
vou me esquecer de um detalhe muito importante... Ela, merecidamente,
tirou a maior nota do grupo, como se fosse um presente de Deus, um
troféu de honra ao mérito. Por mim, ela teria obtido pontuação
acima da média, por ter se desdobrado e me suportado durante todos
aqueles dias maus pelos quais passei.
Mais nove meses, e lá
estávamos nós duas de novo, recebendo aplausos do público. Dessa
vez, abraçadas na passarela, sendo diplomadas como jornalistas.
Aliás, um diploma que devo a ela, porque teria desistido ao primeiro
sinal de desânimo, se não fosse sua insistência em me fazer
permanecer de pé.
Mal deu tempo de
recuperar o fôlego e lá estávamos eu e ela, entregues àquele
abraço que nos revitaliza simultaneamente, dissipando todo
sentimento avesso ao contentamento. Ela disse “sim”. Mas não foi
a única. Eu também o fiz. Disse “sim” ao convite para passar da
condição de amiga-irmã para amiga-irmã-madrinhadecasamento. A
aliança em sua mão esquerda me fez tremer e pensar no quanto
amadurecemos desde a nossa primeira aula juntas. Agora minha irmã é
uma jovem senhora. Por mais que o natural seja as coisas mudarem após
o matrimônio, pra mim elas permanecem como sempre estiveram: tenho
um lugar seguro no qual me abrigar em tempos de tempestades, ainda
posso recorrer ao colinho dela e de quebra sou sempre recebida com a
melhor jantinha do mundo.
E aí eu me pergunto se
um dia vou conseguir retribuir a tanto amor, tamanho cuidado,
dedicação sem reservas, preocupação de mãe e atenção altruísta
que ela sempre dispensou a mim. O amor é válido quando nos
transforma no melhor que podemos ser, e a Lidi fez isso em mim, me
ensinando a dizer “não” quando necessário (e comemorando a
primeira vez que o fiz como se eu tivesse recfebido um prêmio Esso
de Jornalismo), me tirando medos, me ajudando no caminhar, mesmo que
a passos lentos.
Irmã linda, minha
oração é para que você receba das mãos do Senhor aquilo que lhe
é devido, de acordo com o seu plantio, tendo a convicção de que,
pelo menos quanto a mim, você vai colher muitos e bons frutos. Te
admiro como profissional, como amiga, irmã, madrinha, filha, prima,
neta, sobrinha, esposa e terapeuta. Não sei dizer o que seria de mim
sem você, minha rebelde intelectual preferida.
Quero que meus filhos
tenham sempre a casa da tia Lidi pra passar o fim de semana (mas não
deixa o Fabrício ensinar bobeira pra eles, por favorrr!). E é claro
que a recíproca é verdadeira. Você faz parte de mim e eu te amo
muito, muito mesmo. Feliz niver!
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