quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

A boa notícia de todos os meus dias


Aluna nova? Sim, eu vim transferida da Alfa, de Goiânia.
As aulas da Alfa eram mais dinâmicas, os professores eram mais bem preparados, a estrutura física dava show nessa daqui e até a água vendida na cantina não era tão boa quanto a de lá. Então por que vir pra cá, poxa? Por que não voltar pra bendita Alfa? A aluna nova me dava nos nervos... Mal sabia eu que o fato de ela estar ali, sentada ao meu lado, fazia parte do mais lindo e inquestionável projeto de Deus. Com o passar do tempo, nós duas descobrimos que Papai do céu se referia a mim quando disse que havia preparado alguém para recebê-la aqui. 

Nossa primeira aula foi de Fotografia. Era dia de apresentação de trabalho prático e me lembro de ouvi-la reclamar e soltar um “tá bão até essa chatice”, ou algo parecido. Minha atenção se dividia entre a ansiedade, por ser a próxima a apresentar, e o exercício de observar a novata, que tagarelava o tempo todo. Logo, minha preocupação ganhou um novo alvo... Ela se juntou a outros colegas (que até então eram seus desconhecidos), matou aula e foi pro bar que ficava bem próximo dali. Não entendia porque aquilo me incomodava tanto, já que eu não tinha nada a ver com ela. 

Se eu fosse movida pela religiosidade, talvez já teria imposto a mim mesma uma regra naquele momento: “ela não serve pra ser minha amiga”. Acontece que eu sou movida pelo amor de Deus e pelo sangue de Jesus que corre em minhas veias e o fato de uma pessoa não compartilhar dos mesmos costumes que eu não a torna pior, nem me torna superior. 

Com o passar dos dias, a verdade foi sendo revelada por si só, sem que ela precisasse se justificar ou me provar algo. Eu descobri que ela era doce, sensível e temente a Deus, apesar de tentar mostrar o contrário o tempo todo. Era do tipo legal que se fazia de malvada, sabe?

Começamos o nosso primeiro estágio e consequentemente o primeiro trabalho jornalístico juntas. Dividíamos não apenas a sala de aula e de trabalho, mas confidências e sonhos. Nem sei explicar como de fato isso aconteceu, mas nós nos tornamos amigas, melhores amigas, mais que melhores amigas, irmãs. Soube do chamado de Deus em sua vida e entendi porque sofria por vê-la tomar certos caminhos, mesmo sem conhecê-la até então.

Adotei minha nova irmã em oração, e mais... Pedia a Deus pra que ela nunca precisasse de mim sem que eu soubesse. Foram raras as vezes em que ela realmente precisou de mim... Minhas teorias sobre a vida e os relacionamentos pareciam tão infundadas diante de sua praticidade. Aprendi a amá-la exatamente como ela era: totalmente avessa aos padrões pré-estabelecidos (regras), dona de uma simpatia seletiva que é só dela, e um pouquinho egoísta quando se trata das pessoas a quem ama. Aquele imenso coração, travestido de marra, me cativava dia após dia. Ela conquistou minha confiança de tal forma que foi uma das primeiras pessoas que conheceram minha história sem censura e sem cortes. 

Mas era fácil me amar quando eu parecia tão interessante, feliz, resolvida, cheia de planos. Acontece que o amigo de verdade permanece conosco ao conhecer nossas fraquezas, e foi exatamente isso que ela fez, com um amor tão altruísta como nunca vi igual. Ela me abraçou, me amou nas minhas fragilidades, me aceitou sem questionar, sem cobrar, sem perguntar por que nem pra quê. Ela esteve aqui nos meus piores dias, quando eu não queria sorrir, quando não acredita mais em nada (nem em mim), quando não tinha vontade nem de levantar e viver.

Me lembro da mensagem que me mandou... Era algo assim: “irmã linda, meu coração tá doendo taaaanto por você e eu queria poder te poupar de passar por isso. Chore, sofra... É preciso. Te amo muuuuuito”. A essas alturas, eu já havia recebido a pior notícia que ouvi em toda minha vida. Ela soube antes de mim e sofreu ao imaginar minha reação. 

“Irmã, tragédia não tem hora pra acontecer. Mas não podia ter sido agora. Justo agora”! Ela não se conformava... E eu, muito menos. Havíamos acabado de começar nosso trabalho de conclusão de curso, para o qual deveríamos voltar nossas atenções, finais de semana e feriados. Me lembro de quando ela me ligou pedindo pra eu ajudar em algo no trabalho... Poucos dias depois da tragédia. Me lembro do sofrimento que percebi em sua voz embargada e imaginei o quanto ela tinha ensaiado pra fazer aquela ligação, com medo de me ferir. A confiança que existe entre nós não me permitiu pensar, nem por um momento sequer, que ela estava sendo insensível à minha dor. Eu sabia que ela estava sofrendo tanto quanto eu, ou até mais, naquele específico momento.

A partir de então, vivi os nove meses mais difíceis da minha vida. E eu tenho certeza que se não fosse por ela, pelo Projeto dos Sonhos, pelo Hospital do Câncer, eu não teria conseguido. Por incontáveis vezes, paramos as atividades relativas ao trabalho, mesmo estando este atrasado, só pra ela me acalentar, enquanto eu chorava incontrolavelmente sobre seu colo tão acolhedor. Quantas crises, quantas ligações desesperadas, quantas visitas inesperadas só pra chorar e contar a mesma história um milhão de vezes. E ela sempre me recebia com o mesmo sorriso choroso, com o mesmo abraço forte e reconfortante. Sempre ouvia a mesma história com a mesma atenção e o mesmo interesse, como se eu a estivesse contando pela primeira vez.

“Irmã, fica boa logo... Tô precisando entrar em crise também, e com você desse jeito, não vai rolar”. Só ela conseguia me fazer rir, conseguia se anular em prol do meu bem-estar, conseguia fazer as coisas parecerem mais fáceis. Eu colocava dificuldade em tudo, estava desmotivada e não conseguia enxergar solução. E ela, sempre muito prática, inventava e reinventava métodos pra derrubar os muros que criei em volta de mim mesma, em volta do nosso TCC e do momento pelo qual passava. Tempos depois, me confessou que não considerava a situação tão fácil assim, mas não podia se dar ao luxo de demonstrar desespero diante da irmã tão fragilizada. Que amor altruísta, meu Deus. 

Ela, como ninguém, entendeu, respeitou e se preocupou com o poder avassalador que um diazinho de todo mês exercia sobre mim e sempre me preparava uma “boa notícia do dia 16”, pra fazer com que eu canalizasse minhas emoções em algo bom. Me lembro de esperar ansiosa pela ligação dela. Os minutos que antecediam o anúncio da novidade pareciam eternos e enchiam meu coração de esperança. Não bastasse isso, ela sempre se preocupou também com outro dia. Além do dia 16, havia outro que de igual modo me amedrontava, e só ela foi capaz de perceber esse detalhe. “Irmã, o dia 10 me faz sofrer tanto quanto o 16, porque eu me pergunto se você vai conseguir pagar suas contas”. É... Não foi fácil assumir, da noite para o dia, responsabilidades financeiras que antes eu não tinha. Mas eu, minha mãe e minha irmã não estávamos sozinhas. 

Muitas aventuras, lágrimas, sorrisos e testemunhos foram os frutos dos nove árduos meses de trabalho. No tão esperado dia da apresentação, estávamos nós duas de mãos dadas, recebendo os aplausos da platéia. Nunca vou me esquecer de um detalhe muito importante... Ela, merecidamente, tirou a maior nota do grupo, como se fosse um presente de Deus, um troféu de honra ao mérito. Por mim, ela teria obtido pontuação acima da média, por ter se desdobrado e me suportado durante todos aqueles dias maus pelos quais passei. 

Mais nove meses, e lá estávamos nós duas de novo, recebendo aplausos do público. Dessa vez, abraçadas na passarela, sendo diplomadas como jornalistas. Aliás, um diploma que devo a ela, porque teria desistido ao primeiro sinal de desânimo, se não fosse sua insistência em me fazer permanecer de pé.

Mal deu tempo de recuperar o fôlego e lá estávamos eu e ela, entregues àquele abraço que nos revitaliza simultaneamente, dissipando todo sentimento avesso ao contentamento. Ela disse “sim”. Mas não foi a única. Eu também o fiz. Disse “sim” ao convite para passar da condição de amiga-irmã para amiga-irmã-madrinhadecasamento. A aliança em sua mão esquerda me fez tremer e pensar no quanto amadurecemos desde a nossa primeira aula juntas. Agora minha irmã é uma jovem senhora. Por mais que o natural seja as coisas mudarem após o matrimônio, pra mim elas permanecem como sempre estiveram: tenho um lugar seguro no qual me abrigar em tempos de tempestades, ainda posso recorrer ao colinho dela e de quebra sou sempre recebida com a melhor jantinha do mundo. 

E aí eu me pergunto se um dia vou conseguir retribuir a tanto amor, tamanho cuidado, dedicação sem reservas, preocupação de mãe e atenção altruísta que ela sempre dispensou a mim. O amor é válido quando nos transforma no melhor que podemos ser, e a Lidi fez isso em mim, me ensinando a dizer “não” quando necessário (e comemorando a primeira vez que o fiz como se eu tivesse recfebido um prêmio Esso de Jornalismo), me tirando medos, me ajudando no caminhar, mesmo que a passos lentos. 

Irmã linda, minha oração é para que você receba das mãos do Senhor aquilo que lhe é devido, de acordo com o seu plantio, tendo a convicção de que, pelo menos quanto a mim, você vai colher muitos e bons frutos. Te admiro como profissional, como amiga, irmã, madrinha, filha, prima, neta, sobrinha, esposa e terapeuta. Não sei dizer o que seria de mim sem você, minha rebelde intelectual preferida. 

Quero que meus filhos tenham sempre a casa da tia Lidi pra passar o fim de semana (mas não deixa o Fabrício ensinar bobeira pra eles, por favorrr!). E é claro que a recíproca é verdadeira. Você faz parte de mim e eu te amo muito, muito mesmo. Feliz niver!

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