quinta-feira, 2 de junho de 2011

Do jeito que deveria ser...



Mais um dia de crise, como outro qualquer.
A presença do Otávio revela o quanto meus sentimentos se confundem entre si. Uma instabilidade que me incomoda... Ao vê-lo, pegá-lo no colo, acariciá-lo, sentir seu cheiro doce e suave, eu sinto como se meus problemas desaparecessem por alguns instantes. De repente, lembro-me de como meu pai estaria feliz com o sobrinho tão esperado, para o qual ensinaria a arte de ser um “pião”, com canivete na cintura, “butina” e chapéu de “páia”.
Aprendi a desconfiar de todas as pessoas que vão embora, seja por um curto espaço de tempo, seja por dias, semanas, meses... Tenho a impressão de que elas não mais voltarão. Medo de perder mais alguém, eu acho. Então, ver o Otávio partindo, mesmo sabendo que em breve voltará, representa pra mim uma dor incomum.
O deixei em casa, despedindo-me dele com um beijo e levando comigo seu cheiro gostoso. Fui pra faculdade, ao som de Hillsong cantando “You hold me now”. Sentimentos confusos... Alegria por ter visto o Otávio, tristeza por tê-lo deixado, recente saudade dele, saudade eterna do meu pai.
Eu estava parada, esperando o carro da frente me dar passagem e... Um barulho alto... Senti meu corpo sendo impulsionado pra frente. Alguém havia batido em mim. Ao olhar pelo retrovisor, a constatação que me fez perder o ar... Era uma moto. Justamente. Uma moto, meu Deus. Eu havia pedido em oração para que nunca batesse em um motociclista. Me parece tão cruel fazer o que fizeram com o meu pai...
Muito assustada, desci pra ver se o moço precisava de ajuda. Mal deu tempo de fazer isso... Ele fugiu, talvez porque se assustou, ou porque sabia que estava errado. O fato é que ele não sabe o mal que me fez. Não queria culpá-lo, não queria dinheiro. Não mesmo. Eu queria ver se estava bem, se precisava de ajuda... Naquele dia, eu não consegui ir até o local do acidente pra ver o meu pai. Aliás, eu nunca consegui reagir a um acidente. Essa foi a primeira vez... Ou teria sido, se eu tivesse a oportunidade de prestar socorro ao moço da moto.
Então eu me vi sozinha... Estava muito escuro, ninguém pra me dizer que estava tudo bem. Na verdade não estava, mas eu queria ouvir uma mentira, só desta vez...
Eu chorei tanto quanto pude. “Uma moto! Uma moto, meu Deus, uma moto”! Me lembrei do que poderia ter feito pelo meu pai... Poderia muito bem ter ido até lá, ter orado pra que voltasse, sei lá... Na pior das hipóteses, poderia ter apoiado a cabeça dele no meu braço, ou tê-lo deitado em meu colo, só pra diminuir a sensação de abandono, de desprezo... Ele ficou cerca de quatro horas ali, caído... Inerte... Fazia frio e ele estava gelado. Eu não consegui vê-lo assim e hoje me pergunto se não teria sido melhor ir até lá.
Desespero. A única coisa que consegui fazer foi uma ligação... Além da minha mãe (que no momento está impossibilitada de me oferecer equilíbrio) e da Lucielle (que surpreendentemente é uma das poucas pessoas que entendem de verdade o que estou sentindo), a única pessoa que consegue me acalmar nesse momento é ele...
“Nandim, você pode falar agora”? Sim, ele pôde. E não só falar. Ele ouviu. Ouviu coisas repetitivas, sem nexo. Ouviu gritos abafados pela manga da minha camisa... Ouviu minha dor e a sentiu, lá de longe. Chorou comigo, orou... Ele disse coisas das quais jamais me esquecerei. Ele me conhece melhor que eu mesma e, além do mais, “Deus revela”, então sempre sabe o que dizer. Sempre. “Nandim, você sempre tem uma resposta pra tudo. Então me explica por que isso aconteceu! Me explica, por favor, me explica”... “Calma, vai ficar tudo bem. Agüenta firme, só mais um pouquinho, por favor... Um pouquinho só e as coisas vão se acertar”.
Durante a oração que fez por mim (oração mais do que válida, diga-se de passagem), ele disse algo que muito me marcou... “Pai, eu quero ter um coração ensinável”... Ah, como eu quero aprender tudo quanto Deus quer me ensinar através dessa dor aparentemente insuportável. Como eu quero contar meu testemunho e servir de encorajamento para milhares de pessoas... Como eu quero. Eu quero dançar sobre a dor, quero ter esperança. Mas por enquanto...
“Pai, a Muriele está em uma floresta. Ela está com medo, porque está chovendo, está frio e escuro. Leve-a pra casa, dê um banho nela e a coloque para descansar em seu colo”... Amém, amém e AMÉM.
Ao final da conversa, mal consegui agradecer por tudo e ele ainda me fez rir. Por mais improvável que pudesse parecer, eu ri, e com vontade, como fazia antes. Eu ri.
Foi aí que entendi o porquê do pequeno acidente...
Eu precisava falar com ele, precisava ouvi-lo, senti-lo “perto” pra ter de novo a sensação de segurança, a mesma transmitida pelo melhor abraço de toda a minha vida.
Eu entendi que não importa o que aconteça, eu vou sempre voltar pra casa. Entendi que ele é minha casa, é a alma em mim, do jeito que deveria ser. Entendi que ele vai se casar, constituir uma linda família e que vai fazer isso cada vez mais longe de mim, porque tem as nações como promessa, mas que, apesar de tudo isso, vai continuar sendo tudo que sou (de bom) misturado com tudo que falta em mim.
Ao meu melhor amigo, toda sorte de bênçãos e meus sinceros agradecimentos pelo dia 31 de maio de 2011.








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